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Imperialismo endividado

“Inadimplência dos EUA se aproxima”, diz analista

Canadá e México devem ser os primeiros afetados

Na segunda-feira (1º), a secretária do Tesouro, Janet Yellen, indicou que é possível que dentro de um mês eles não consigam resolver todas as tarefas que o governo do presidente Joe Biden exige.

“Está ocorrendo uma série de combinações macroeconômicas desfavoráveis para o país e se essa questão do teto da dívida não for resolvida, pode agravar tudo isso e criar um terreno fértil para uma recessão”, diz Campa em entrevista à Sputnik.

Nessa mesma linha, a vice-diretora de análise econômica da empresa Monex, Janneth Quiroz, declarou à Sputnik que a situação levantada pelo Tesouro funciona como uma arma de negociação política.
“Isso gera mais incerteza sobre se vai conseguir continuar operando com todas as implicações [que a questão traz] e que tem a ver com todos os gastos do governo, mas também com as obrigações de dívida que [apresenta]”, aponta a analista.

Qual é o teto da dívida?

O teto da dívida ou endividamento público foi estabelecido em 1917 e é o limite que o governo norte-americano tem para tomar recursos emprestados. Com isso, pode financiar as obrigações legais existentes que tanto os Congressos quanto os presidentes cumpriram.
Atualmente, o teto da dívida nos EUA é de US$ 31,4 trilhões (cerca de R$ 158,3 trilhões), atingido no dia 19 de janeiro de 2023.

“O Tesouro está financiando o governo temporariamente usando ‘medidas extraordinárias’, mas essas medidas expiram até o final deste ano, que o Escritório de Orçamento do Congresso [CBO, na sigla em inglês] adverte que pode acontecer até junho”, menciona o presidente do Comitê de Meios e Recursos da Câmara, Jason Smith, em seu site.

Causas de possível não pagamento

Segundo Campa, um dos motivos pelos quais o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos está nessa situação é a forma como o governo exerce os gastos.

“Existem posições conflitantes entre os partidos [Democrata e Republicano]. Por um lado, os republicanos estão pedindo menos gastos ou cortes. Do lado democrata, eles não estão dispostos a executar essa política fiscal muito mais austera.”

Nesse sentido, o especialista acrescenta que as estratégias utilizadas pela agência comandada por Yellen têm sido “criativas”, porque a discussão sobre o assunto deveria ter ocorrido semanas antes.

“Isso se agravou nos últimos dias ou semanas porque, aparentemente, os EUA estão ganhando menos do que o previsto no início do ano e estão gastando mais. Estão ganhando menos devido à menor atividade econômica e estão gastando mais principalmente por razões relacionadas com questões de guerra [conflito na Ucrânia]”, especifica.

Em entrevista à Sputnik, o especialista em economia e professor da Escola Bancária e Comercial (EBC), Ángel Méndez Mercado, considera que outra causa é a diminuição das receitas fiscais norte-americanas.
Isso abre as portas “para uma recessão econômica. Uma queda na arrecadação de impostos ou uma crise financeira que obrigue o governo a aumentar os gastos para estimular a economia são fatores que pesam. Porém, com algumas estratégias eles poderiam evitar ou tentar reduzir um pouco o impacto”, disse.

Consequências dentro e fora dos EUA

Para Quiroz, uma das maiores consequências de não se chegar a um acordo para resolver a falta de recursos é a queda do rating soberano dos Estados Unidos.

“Se não houver um acordo e começarmos a ver como esse processo começa a andar, aumentaria o risco de alguma agência de classificação cortar o rating soberano dos Estados Unidos, pois, no final das contas, se eles ficarem sem recursos, então aumentaria a possibilidade de o país não conseguir cumprir as suas obrigações de dívida”, explica a vice-diretora de análise econômica da Monex.

Campa e Méndez Mercado concordam que um clima de incerteza e desconfiança também seria gerado no governo Biden.

“O governo seria obrigado a cortar gastos, teria de reduzir os principais serviços públicos, o que poderia afetar a qualidade de vida dos cidadãos, e isso é muito grave nas atuais condições. Também poderia levar a uma queda de confiança no governo e na economia, o que teria um impacto negativo nos mercados financeiros e na taxa de juros do país”, destaca o professor da EBC.

Sobre a repercussão mundial, o economista e cientista político comenta que a região que passaria por um período turbulento seria a América do Norte, formada por Estados Unidos, Canadá e México.

“Tanto o Canadá quanto o México seriam os primeiros afetados. Deve-se dizer aqui que em 2008 e 2009 os bancos canadenses e mexicanos não estavam tão expostos aos problemas financeiros que seus equivalentes nos Estados Unidos tiveram, mas, em qualquer caso, se houver uma queda na atividade econômica pode afetar toda a região”, diz Campa.

Somado a isso, faria com que o restante das nações parassem de tomar o dólar americano como moeda de reserva global. Isso geraria fraqueza a tal ponto que “poderia ter um impacto negativo na estabilidade financeira global, sem falar nos mercados emergentes”, diz Méndez Mercado.

América Latina

Se os EUA não resolverem sua falta de recursos, isso vai afetar a América Latina de várias maneiras. Segundo Quiroz, um dos efeitos seria a diminuição da demanda por bens e serviços.

“No fim das contas, o governo é mais um ator econômico que consome e gasta […]. [Seu orçamento] é gasto tanto com produtos locais quanto importados. Então, o principal impacto seria uma queda na demanda”, enfatizou.

Enquanto isso, Campa destaca que o prejuízo seria principalmente na América do Sul, porque várias nações daquela região continental são parceiras comerciais de Washington.
“O que podemos ver é que se os Estados Unidos, que é uma economia de certo peso, demandar menos produtos no plano internacional, pode fazer, por exemplo, cair o peso do cobre. Lá sim poderia atingir países como o Chile, que dependem muito [desse fator]. Mas, no caso da Argentina ou do Brasil, eles dependem cada vez menos do comércio com Washington; a demanda da China por seus produtos tem crescido. De qualquer forma, como [os EUA] é uma grande economia, não é uma notícia positiva para a dinâmica comercial do mundo”, pondera.

Possíveis soluções

Diante do cenário adverso desenhado pelo Departamento do Tesouro em particular e por Washington em geral, Yellen propôs aumentar ou suspender o limite da dívida. A vice-diretora de análise econômica da Monex explica em que consiste cada um.

“Seria sobre aumentar o valor até o qual o governo pode tomar emprestado. Basicamente, o que você está pedindo como secretário do Tesouro é que [o governo] possa tomar mais empréstimos. No caso de [parar o limite], é que não haja [um teto]. Isso já aconteceu em diversas ocasiões: em que a barreira da dívida está temporariamente suspensa”, menciona.

Segundo o site do Tesouro, ao longo da história o Congresso elevou o teto da dívida quando solicitado.

“Desde 1960, o Congresso agiu 78 vezes para aumentar, estender temporariamente ou revisar permanentemente a definição do limite da dívida: 49 vezes sob presidentes republicanos e 29 sob presidentes democratas. Líderes do Congresso em ambos os partidos reconheceram que isso é necessário”, aponta.

Méndez Mercado comenta que a proposta da secretária do Tesouro é viável, mas pode causar controvérsia devido às preocupações com a sustentabilidade fiscal e as eleições de 2024.
Diante desse cenário, Campa aponta algumas soluções possíveis como a mudança do perfil da dívida norte-americana e uma reforma tributária que eleve as expectativas de arrecadação.

No entanto, “a solução mais viável é que haja um acordo entre os dois grandes partidos para dizer: ‘Vou autorizar um novo teto da dívida, mas cortar alguns programas, ou alguns gastos que para mim, por exemplo, como republicano, posso dizer ao meu eleitor que coloquei certo limite na dívida, tornei sustentável e cortamos os gastos de um governo grande.’ Aí já seria uma negociação pura e difícil, mas [Biden] não vai querer cortar”, finaliza.

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