Baseando-se em pesquisa do livro “O Brasil contra a Democracia – A ditadura, o golpe no Chile e a Guerra Fria na América do Sul”, de Roberto Simon, o colunista Jamil Chade, do Uol, apontou que a imprensa brasileira apoiou o golpe no Chile contra Salvador Allende em 1973 e a ditadura de Augusto Pinochet, pedindo dinheiro à ditadura em troca de reportagens favoráveis ao país, com apoio da CIA e planos elaborados pelo governo dos Estados Unidos.
Enquanto no Chile, às vésperas do golpe, “jornalistas chilenos podiam publicar o que quisessem, contra ou a favor de Allende, no Brasil de Médici, a censura era implacável”, diz Roberto Simon, no livro. “Uma torrente de textos de opinião na grande imprensa brasileira pediam abertamente uma ruptura democrática chilena —a uma semana do golpe, por exemplo, leitores d’O Globo se depararam com um artigo de meia página assinado por Pablo Rodríguez, o líder do grupo de extrema direita Patria y Libertad (o jornal carioca se furtou a explicar quem era o autor)”, constata.
De acordo com o livro, Washington coordenou essa operação em veículos de imprensa de toda a América Latina. A inteligência norte-americana enviou documento aos assessores da Casa Branca destacando a participação do jornal O Globo: “O Globo, do Rio de Janeiro, publicou um artigo de capa pedindo que Brasil e Argentina se unam para confrontar a situação do Chile”.
O jornal O Globo teve papel fundamental no apoio ao governo Pinochet após o golpe. “Segundo documentos secretos da diplomacia chilena, em meados de 1975 o diretor da sucursal de O Globo em Brasília, Arnaldo Nogueira, procurou Jaime Valdés [adido chileno] com uma proposta de negócios. [O embaixador do Chile no Brasil] Cubillos reportou a seus superiores em Santiago que o jornal do Rio queria vender matérias ao regime chileno, com pautas definidas e reportagens revisadas por ‘amigos’ da ditadura de Santiago”, diz o livro.
Uma oferta era publicar um caderno especial de 36 páginas sobre o novo Chile, ao custo de exatos US$ 248 mil (quase US$ 1,2 milhão em valores atuais, corrigindo-se pela inflação nos Estados Unidos; portanto, R$ 5,86 atuais). O documento, no entanto, aponta que o embaixador não considerava essa a melhor opção, pois “esgota numa só ocasião o impacto publicitário, carece do fator subliminar que é desejável para penetrar diretamente no público e, por isso mesmo, está sujeita a todos os receios e suspicácias do leitor frente a qualquer suplemento especial”. “O outro caminho possível seria pagar quase US$ 6 mil por reportagens individuais. Um pacote com vinte matérias sairia por menos de US$ 120 mil (US$ 530 mil atuais)”, explicou.
Segundo o livro, a própria embaixada em Brasília decidiria a época da viagem dos jornalistas para realizar a reportagem, enquanto algumas despesas ficariam a cargo do governo Pinochet. As pautas seriam estabelecidas pelo governo chileno e antes da publicação todo o material deveria ser revisado pela embaixada. O projeto, no entanto, não prosperou porque Santiago julgou que a operação custaria caro demais para os cofres chilenos. “Afinal, não haveria necessidade de pagar algo que já estava acontecendo, sem qualquer acordo financeiro”, lembra Jamil Chade.
Imprensa brasileira – Além de O Globo, o livro também ressalta a participação de O Cruzeiro e do jornal O Estado de S.Paulo. Nesse último, Júlio de Mesquita Neto, do jornal O Estado de S. Paulo, chefe da Comissão de Liberdade de Imprensa da SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa), tinha como principal associado o Mercurio, jornal golpista contra Allende. Na presidência da entidade, estava Manoel de Nascimento Brito, diretor do Jornal do Brasil.
O autor aponta que caberia especialmente a Mesquita levantar publicamente a SIP “contra a transformação socialista no Chile e em solidariedade à maior voz da imprensa chilena sob ataque do governo socialista”. “Para além da Sociedade Interamericana, O Estado e O Globo mantinham laços diretos com o Mercurio por meio da Latin, agência de notícias criada em 1970 com a parceria de vários jornais da América Latina, que passavam a compartilhar conteúdo”, afirma o livro.
O diário chileno produzia matérias que eram traduzidas e republicadas no Brasil. Segundo o autor, um “setor-chave da imprensa brasileira tornava-se uma caixa de ressonância de um diário envolvido nos primeiros planos do golpe contra Allende, e financiado pela espionagem americana”.
Ainda, a CIA atribuiria ao seu “Projeto Mercurio”, em relação ao jornal aliado do Estado de S.Paulo, um “papel significativo” na destruição do governo da Unidade Popular de Allende. Mesquita, inclusive, escreveu diversas cartas ao então presidente do Chile, atacando medidas do governo socialista.
O Grupo Globo, em nota, afirmou desconhecer “o teor dessa pesquisa e se sente impedido de opinar em profundidade”. “A serem verdadeiros os documentos e se estiverem bem contextualizados (destacando por exemplo as imposições draconianas que a imprensa sofria no período), desde já o Grupo Globo pode assegurar que aquelas atitudes não estão alinhadas com os princípios e valores que vem praticando há décadas. Como já foi dito num editorial sobre o golpe de 1964, ‘a História é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los’”. Já o jornal O Estado de S. Paulo não comentou os questionamentos da coluna de Chade.
Governo Pinochet – A ditadura de Augusto Pinochet foi um regime militar que governou, com apoio dos Estados Unidos, o Chile de 1973 a 1990, resultando em uma série de violações dos direitos humanos e um ataque à democracia. Em 11 de setembro de 1973, as Forças Armadas chilenas, lideradas por Pinochet, derrubaram o governo democraticamente eleito de Salvador Allende por meio de um golpe de Estado. Allende morreu durante o golpe, e Pinochet assumiu o poder como chefe do regime militar.
- Repressão política: A ditadura de Pinochet implementou uma repressão política brutal, prendendo, torturando e assassinando milhares de opositores políticos. Muitos deles foram detidos em centros de detenção clandestinos, onde sofreram abusos terríveis.
- Desaparecimentos forçados: Durante a ditadura, muitas pessoas desapareceram sem deixar rastro. Familiares e organizações de direitos humanos estimam que mais de 3.000 pessoas foram vítimas de desaparecimento forçado sob o regime de Pinochet.
- Tortura sistemática: A tortura foi amplamente utilizada como um meio de intimidação e punição contra aqueles considerados opositores ao regime. Os relatos de tortura incluíram métodos como choque elétrico, espancamentos, asfixia e privação de sono.
- Execuções sumárias: Além das prisões arbitrárias e da tortura, muitos opositores políticos foram sumariamente executados pelo regime. Estima-se que mais de 1.000 pessoas tenham sido mortas dessa maneira.
- Censura da mídia e repressão à liberdade de expressão: O regime de Pinochet censurou a imprensa e restringiu severamente a liberdade de expressão. Jornalistas críticos foram perseguidos e muitos meios de comunicação foram silenciados ou controlados pelo Estado.
- Violência econômica e neoliberalismo: Além das violações dos direitos humanos, o regime de Pinochet implementou políticas econômicas neoliberais que beneficiaram os interesses das elites econômicas e resultaram em desigualdades sociais significativas. A ditadura militar no Chile foi utilizada pelos teóricos do neoliberalismo como laboratório para as novas medidas econômicas que se estenderiam ao resto do mundo na década de 1980.
Em 1988, com um governo em crise, Pinochet convocou um referendo para decidir se ele permaneceria no poder por mais oito anos. A maioria dos chilenos votou “não”, encerrando assim o regime militar e abrindo caminho para a restauração da democracia. Os crimes cometidos durante a ditadura de Pinochet foram amplamente condenados pela comunidade internacional e têm sido objeto de investigações e processos judiciais ao longo dos anos. Muitos ex-membros do regime foram condenados por violações dos direitos humanos.