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Avacalhação da história

Identitarismo: uma religião moderna contra a obra de arte

Colunista critica filme sobre o Descobrimento do Brasil por ser um "conto de fadas" que trata do "ponto de vista do colonizador"

No dia 12 de julho, o portal Plano Crítico publicou um artigo assinado por Luiz Santiago chamado “Crítica – O Descobrimento do Brasil (1937)”, um texto sobre esse primeiro longa-metragem do diretor Humberto Mauro como funcionário do INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), criado pelo Ministério da Educação e Cultura no governo Getúlio Vargas.

Em geral, o autor do texto elogia a obra, que relata a aventura do descobrimento desde a partida de Portugal das naus comandadas por Pedro Álvares Cabral até a chegada ao Brasil.

O texto, no entanto, se perde em considerações totalmente equivocadas sobre a história que fica claro no subtítulo “Romantização colonizadora ao som de Villa-Lobos”.

O que seria uma “romantização colonizadora”? 

A primeira é a do “romantizado”. Aqui, como se trata de uma obra de ficção – por mais que se procure passar o mais fielmente possível os acontecimentos históricos – é impossível ela não ser “romantizada”. Ou seja, a obra nunca vai retratar a coisa exatamente como foi. Não importa sob qual ponto de vista a história seja contada ela será sempre uma “romantização”.

O “colonizadora” está dizendo que essa romantização seria algo que não aconteceu realmente porque está contado do ponto de vista do colonizador, no caso, os portugueses que chegaram ao Brasil.

No texto, o autor explica que a “narrativa toma o ponto de vista dos portugueses (seguindo a lógica da historiografia nacional clássica), colocando os europeus como indivíduos quase divinos, no alto de sua imensa coragem, bondade, inteligência e diplomacia; e os indígenas como selvagens cujo destino era receber as bênçãos, o amparo paternal e a ‘educação civilizadora’ dos tais ‘descobridores do Novo Mundo'”.

Não temos aqui a intenção de analisar o filme, mas apenas debater com as ideias do autor do texto. Ao dizer que a “narrativa segue a “lógica da historiografia nacional clássica” porque toma o ponto de vista dos portugueses, o autor nem se dá conta que os índios não tinham historiografia.

Se um diretor decidisse, por exemplo, filmar o mesmo acontecimento do “ponto de vista dos índios” ele simplesmente continuaria, de uma forma ou de outra, adotando um ponto de vista do que ele chama “colonizador”. Algum “colonizador” terá contado uma história que ele considera do “ponto de vista dos índios”.

E é preciso dizer ainda mais uma coisa importante: uma história contada do ponto de vista dos povos que aqui estavam quando receberam Cabral seria a mais “romantizada”. Simplesmente porque não há registro histórico, ou pelo menos não há quase nada, desse “ponto de vista”.

Ou seja, sem perceber, o autor do artigo está dizendo que o filme de 1937 deveria ter uma “romantização colonizadora do ponto de vista dos índios”.

Pode-se entrar no mérito de que o filme teria uma ideia errada sobre os portugueses que vieram para cá. Mas isso é outra discussão que não tem nada a ver com mostrar a história do ponto de vista de um ou de outro. Ele diz que os europeus são retratados como “indivíduos quase divinos, no alto de sua imensa coragem, bondade, inteligência e diplomacia”. Que os europeus não são divinos isso é fácil de constatar. Mas por que não seriam corajosos, por exemplo?  Afinal, sair de um continente para o alto mar em 1500 não devia ser uma coisa muito tranquila de se fazer. Ou seja, a crítica é vazia, já que os portugueses poderiam ser “romantizados” como corajosos ou como “covardes”. Mas a segunda opção seria bem menos real, convenhamos.

“Apesar de sua abordagem acrítica, à la ‘conto-de-fada histórico’, floreando o princípio de um processo violento de invasão, roubo de território, genocídio de nativos e imposição de uma cultura sobre outra, a condução e principalmente os elementos de composição interna desse longa é até hoje motivo de orgulho para o cinema brasileiro”.

Aqui o autor do texto pula da “romantização” para o “conto-de-fada”, que já é uma maneira avacalhada de analisar a história. Mas aqui vale a mesma lógica que apresentamos acima. Se podemos dizer que o ponto de vista do colonizador é um “conte-de-fadas”, mais ainda seria tentar fazer uma história do ponto de vista dos “povos originários”.

Quando o autor faz a ressalva de que o descobrimento foi o “princípio” de uma verdadeira desgraça, ele não percebe que sua visão unilateral da história acaba levando coerentemente ao seguinte raciocínio: o Brasil é uma porcaria, nada do que foi feito e do que se faz aqui deve ser levado a sério porque somos produto da violência, do roubo, do genocídio etc. A história do Brasil, assim como a história em geral, não pode ser resumida a uma sequência de barbaridades, essa é uma maneira anti-científica e moralista, religiosa de analisar a história. Ela é o que é, não é bonita, nem feia, nem certa, nem errada, e feita de contradições. Se o filme é um “conto de fadas” no que diz respeito à história contada, com certeza não será pelos motivos citados pelo autor. Na realidade, a maneira moralista que o autor descreve o episódio nos faz inclusive duvidar se realmente é legítima a sua crítica sobre o filme ser uma “romantização” e um “floreio” do descobrimento.

A intenção do autor do artigo não parece ser avacalhar com a obra, já que ele considera a obra um grande filme nacional. Mas com ou sem intenção ele acaba avacalhando não apenas o filme, como a própria história do Brasil. O autor está nitidamente influenciado por ideias que são erradas quando tratadas do ponto de vista da análise histórica, e são um veneno para a análise da obra de arte.

Se tivéssemos que dar um conselho para o autor do texto diríamos: pode apreciar o filme sem culpa, você não vai para o inferno.

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