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5 de Abril de 1923

Há 100 anos, Trótski fazia discurso em homenagem a Lênin

Declaração de Leon Trótski em 5 de Abril de 1923

Fonte: Marxists.org

CAMARADAS, no que se refere à clareza do pensamento e à firmeza do nosso Partido, sofremos este ano novas provações trazidas pela experiência. Esta verificação foi dolorosa por ter sido a consequência de um facto de que, em consciência, todo o nosso Partido se ressente fortemente, de um facto doloroso para as grandes massas da população laboriosa e, talvez fosse mais justo afirmar, para todos os trabalhadores do nosso país e para um número considerável de trabalhadores do mundo inteiro: refiro-me à doença de Vladimir Ilitch.

Quando, no início de Março, o seu estado se agravou, o bureau político reuniu-se para deliberar quais as comunicações a fazer a este respeito ao Partido e ao país – penso, camaradas, que compreendeis em que estado de espírito teve lugar essa sessão; deviamos revelar a triste e inquietante notícia através de um primeiro boletim.

É evidente que, nessa altura, éramos antes de mais nada homens políticos. Ninguém nos poderá censurar por isso. Não pensávamos apenas na saúde do camarada Lenine; sem dúvida nos preocupávamos, nesse momento, sobretudo com as dificuldades físicas com que se debatia, as pulsações do seu coração, a sua temperatura; mas perguntávamos também a nós próprios qual a impressão que o boletim médico iria produzir na vida política, nas pulsações do coração da classe operária e do nosso Partido.

Ansiosamente, e no entanto, com uma fé profunda nas forças do Partido, dissemos ser preciso, desde o aparecimento do perigo, informar os nossos camaradas e todo o país.

Para nós não havia qualquer dúvida: os nossos inimigos tentariam utilizar essa noticia para lançar a perturbação entre a população, sobretudo entre os camponeses, para lançar boatos alarmantes, etc.; mas nenhum de nós duvidou também da necessidade de fazer conhecer ao Partido o estado em que se encontravam as coisas: dizer o que se passava era fazer um maior apelo à responsabilidade de cada um dos membros do Partido.

A nossa organização compõe-se de meio milhão de homens; trata-se de uma vasta colectividade que possui uma grande experiência, embora neste exército imponente Lenine ocupe um lugar impossível de comparar com qualquer outro.

Não há, nem nunca houve na história dos homens, alguém que, como Lenine, influenciasse o destino não somente de um país, mas da humanidade inteira; não existe qualquer comum grandeza que nos dê a proporção histórica de Vladimir Ilitch. Eis o motivo por que o seu afastamento prolongado do traballho, o seu estado grave, deviam lançar-nos necessariamente, na nossa qualidade de homens políticos, numa profunda inquietação. Sem dúvida, sem dúvida sabemos que a classe operária vencerá por si só. Afirma-se num dos nossos hinos: “Não existe salvador supremo”, não há “herói” supremo… E é verdade, mas é-o apenas no cômputo definitivo da História: a classe operária vencerá finalmente e sairá vitoriosa mesmo que nunca tivesse exitstido Karl Marx, mesmo que não tivesse havido um Ulianov-Lenine. A classe operária saberá elaborar por si própria as ideias de que necesslita, os métodos que lhe são indispensáveis; mas tal trabalho terá de ser mais lento.

Em dois pontos culminantes da sua evolução, a classe operária viu erguer-se duas figuras, Marx e Lenine: este facto constituiu uma vantagem formidável para a revolução.

Marx foi o profeta que trouxe as tábuas da lei; Lenine foi o grande executor dos mandamentos; não dirige, tal como Marx, os seus ensinamentos a uma aristocracia proletária, mas fala às massas, aos povos, dá-lhes a sua experiência nas circunstâncias mais difíceis, actua, manobra e alcança a vitória.

O nosso trabalho prático deste ano pôde apenas beneficiar de uma reduzida participação de Vladimir Ilitch. No dominio das ideias recebemos dele, recentemente, certos avisos, certas indicações que nos guiarão durante vários anos – acerca da questão agrária, do aparelho de Estado, da questão nacional.

Era, pois, necessário anunciar que a sua saúde se tinha agravado. Perguntávamos a nós próprios, com uma inquietação bem natural, que conclusões iria tirar daí a massa dos sem-partido, a massa camponesa, a do exército vermelho; no nosso aparelho governamental é Lenine, em primeiro lugar, quem tem a confiança do camponês. Independentemente de todas as outras considerações, Lenine constitui o nosso grande capital moral nas relações estabelecidas entre a classe operária e o campesinato. Não começaria o camponês a pensar – perguntavam-se alguns entre nós – que estando Lenine afastado do trabalho durante muito tempo a sua política iria ser modificada? Como iria reagir o Partido? Qual seria a atitude da massa operária, do país?

Desde o aparecimento dos primeiros boletins dando o alarme, o Partido, no seu conjunto, reagrupou-se, uniu-se mais, recompôs-se moralmente.

É uma verdade, camaradas, que o Partido se compõe de homens de carne e osso, com os seus defeitos e as suas insuficiências; nos comunistas existe muito “de humano, de demasiado humano”, como dizem os Alemães; verificam-se choques entre grupos, entre pessoas, alguns desentendimentos sérios, outros insignificantes; e voltará a verificar-se, pois um grande partido não pode viver de outro modo. Porém, a força moral, o peso específico do Partido determina-se por aquilo que sobe à superfície quando se verifica uma perturbação tão trágica: desejo de unidade, disciplina, ou então manifestações de ordem secundária, pessoais, humanas, demasiado humanas.

Ora eu penso, camaradas, que presentemente e com toda a certeza poderemos tirar já a nossa conclusão: tendo sentido que iria perder por um espaço de tempo considerável a direcção de Lenine, o nosso Partido reagrupou-se, afastou tudo o que podia ameaçar a clareza do seu pensamento, a unidade da sua vontade, a sua capacidade combativa…

Antes de subir para o comboio para vir aqui, a Kharkov, falei com o nosso comandante de Moscovo, Nicolas Ivanovitch Muralov, que muitos entre vós conhecem como sendo um velho membro do Partido. Perguntei-lhe qual era a atitude do soldado do exército vermelho desde que soubera da doença de Lenine. Muralov disse-me: “Nos primeiros momentos a notícia produziu o efeito de um trovão; houve como que um recuo instintivo; em seguida, todos se puseram a reflectir profundamente sobre o valor de Lenine…”

Sim, camaradas, o homem sem partido do exército vermelho pôs-se a reflectir à sua maneira, mas muito profundamente, sobre o papel desempenhado pelo indivíduo na História; examinou uma questão que nós outros, os mais velhos, estudámos quando éramos jovens alunos dos liceus, pequenos estudantes ou jovens operários, nos livros e também nas prisões, nos trabalhos forçados, na deportação; discutíamos então sobre as relações entre o “herói” e a “multidão”, o “factor subjectivo” e as “condições objectivas”…

E eis que em 1923 o nosso jovem soldado do exército vermelho se pôs a reflectir sobre estas questôes importantes; centenas, milhares de homens meditam; por toda a Rússia, em toda a Ucrânia, por todo o lado, milhões de camponeses interrogam-se sobre o que foi o papel pessoal desempenhado por Lenine na História. E que respondem os nossos instrutores políticos, os nossos comissários, os nossos secretários de grupo?

Respondem que Lenine é um génio, que um génio só aparece uma vez num século e que, quanto a génios dirigentes da classe operária, apenas podemos contar dois na história mundial: Marx e Lenine.

Não se pode criar um génio, mesmo por decisão de um partido todo poderoso e bem disciplinado; mas podemos esforçar-nos, na medida do possível, por o substituir, podemos suprir a sua ausência redobrando os esforços colectivos. É esta teoria da personalidade e da classe que os nossos educadores políticos expõem, em termos simplificados, ao soldado do exército vermelho não pertencente a qualquer partido. Esta teoria está certa: neste momento, Lenine não pode trabalhar; devemos, em conjunto, redobrar os nossos esforços; devemos analisar o perigo com uma atenção redobrada; devemos proteger a revolução com uma perseverança duas vezes maior; devemos utilizar as possibilidades de construção com uma determinação mais renhida. E é o que iremos todos fazer: desde os membros do Comité Central até ao soldado sem partido do exército vermelho…

O nosso trabalho, camaradas, é muito lento; embora se faça em vastos quadros, é ainda muito parcial; os nossos métodos são necessariamente “prosaicos”: balanços e cálculos, impostos em géneros, exportação do trigo… Tudo isso fazemos passo a passo, construindo o edifício tijolo a tijolo… Não existirá o perigo do nosso Partido degenerar com tais preocupações meticulosas? Não poderíamos tolerar esta degenerescência, assim como não poderíamos admitir, por menos que fosse, uma ruptura da unidade efectiva; pois se o período actual vai ser difícil e longo, ele não irá durar para sempre. Talvez até nem dure tanto como se supõe.

Uma explosão revolucionária de grande alcance, como seria o início de uma revolução europeia, pode chegar muito mais cedo, do que por vezes se pensa entre nós.

Se retivermos algo das lições estratégicas de Lenine, deverá ser aquilo a que ele chamou a política das grandes mudanças: hoje, nas barricadas, amanhã, no estábulo da III Duma de Estado; hoje, fazendo apelo à revolução mundial, a um Outubro mundial; amanhã, aceitando conversações com Kühlmann e Czernin, assinando a paz infame de Brest-Litovsk. As circunstâncias mudaram, ou então avaliámo-las de outro modo – marchamos para o Oeste, sobre Varsóvia… Somos obrigados a apreciar a situação de uma forma diversa – e vem a paz de Riga – uma paz que também se poderá chamar infame, bem o sabeis…

Seguidamente é o trabalho obstinado, pedra a pedra, é a economia, é a redução de postos dos funcionários, é uma enorme avaliação: ter-se-á necessidade de cinco telefonistas ou de três? Se três são suficientes, que não seja permitido colocar cinco, pois isso custaria ao mujique alguns molhos de trigo inutilmente gastos! É o trabalho quotidiano, minucioso, meticuloso…

Mas olhai lá para longe, para o Rhur, não será uma primeira chama de revolução que se eleva? Irá a revolução encontrar-nos transformados, degenerados?

Não, camaradas, não! A nossa natureza não muda; modificamos os métodos e os processos, mas, para nós, a conservação revolucionária do Partido continua a sobrepor-se a todas as outras questões.

Aprendemos a fazer um balanço, mas, simultaneamente, seguimos com olho perspicaz o que se faz no Ocidente e no Oriente, e os acontecimentos não irão apanhar-nos desprevenidos. Através da depuração e do alargamento da base proletária, consolidaremos a nossa posição… Aceitamos um compromisso com o campesinato e com a pequena-burguesia, toleramos a gente da N.E.P.(2), mas não aceitaremos no Partido nem os da N.E.P. nem os pequenos burgueses; por meio do ácido sulfúrico ou do ferro em brasa eliminá-los-emos do nosso Partido se preciso for. (Aplausos).

E no XII Congresso, o primeiro desde Outubro realizado sem a participação de Vladimir Ilitch, um dos raros Congressos na história do nosso Partido em que ele não estará presente, diremos uns aos outros, gravaremos juntamente com os mandamentos inscritos na nossa consciência: não te imobilizes na rotina; lembra-te da arte das curvas bruscas; manobra, porém, sem te dispersares; conclui acordos com aliados temporários ou permanentes, mas não permitas ao teu aliado que se introduza subrepticiamente no Partido; continua a ser o que eras, a vanguarda da revolução mundial.

E se no Ocidente se ouvir o dobre a finados – e ele ouvir-se-á – poderemos estar então enterrados até ao pescoço nos nossos cálculos, nos nossos balanços, na N.E.P., mas responderemos à chamada sem hesitação e sem demora: somos revolucionários da cabeça aos pés, fomo-lo e assim nos manteremos até ao fim. (Tempestade de aplausos, toda a assistência se levanta para aclamar estas palavras.)

 

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