O youtuber Jones Manoel publicou um vídeo em seu canal chamado “Balanço de 2 meses dos Governos Lula e Raquel Lyra”. É um breve comentário sobre o tema, mas vale algumas considerações importantes ditas por Jones Manoel, já que servem para debater a posição que a esquerda deve ter em relação ao governo Lula.
Segundo Jones Manoel, o ponto positivo do novo governo é “única e exclusivamente dar uma pausa na destruição Bolsonarista”. Jones Manoel reconhece que isso “não é pouca coisa” e de fato não é. Mas será mesmo que esse seja a única coisa positiva?
Essa apreciação é muito limitada e perde de vista a perspectiva dos últimos anos no Brasil. A vitória de Lula foi, ainda que parcialmente, uma derrota imposta pela população contra o golpe de Estado. O que quer dizer que não é apenas um problema dos quatro anos de Bolsonaro. É uma política que diz respeito aos quase sete anos de golpe de Estado no Brasil.
A burguesia brasileira, subordinada ao imperialismo, derrubou o governo do PT em 2016 para colocar em prática uma política de devastação. Para isso, foi implementada uma ditadura judicial que resultou na prisão de Lula; a extrema-direita foi colocada nas ruas para atacar os movimentos e organizações de esquerda e Bolsonaro foi eleito como resultado dessa política.
Mas Bolsonaro é antes uma manifestação da falência do golpe do que propriamente o ápice da política golpista. Sua eleição, embora seja a continuidade do golpe, não era o ideal para os setores majoritários da burguesia.
Governo “social-liberal”
Jones Manoel continua o vídeo fazendo uma caracterização do petismo:
“O petismo é hoje majoritariamente uma força política social-liberal capaz de fazer políticas públicas, mas totalmente integrada ao modelo econômico e ao modelo de governança política e ao regime político sem nenhuma intenção reformista”
Em primeiro lugar, o conceito do “social-liberal” não é rigoroso, sequer está no vocabulário do marxismo. Se é assim, vejamos o que o próprio Jones Manoel explica sobre “social-liberalismo” em outro vídeo. Grosso modo, seria uma política surgida nas grandes instituições imperialistas, como o FMI e o Banco Mundial, para amortecer a destruição neoliberal com a adoção de alguma política de esquerda muito moderada.
Segundo essa ideia, portanto, o governo do PT seria um governo de confiança do imperialismo. É a conclusão que deveríamos tirar da caracterização de Jones Manoel. O problema é que a própria relação de Lula com o imperialismo é ambígua e cheia de contradições e demostra o oposto. Para isso, basta comparar Lula com dois tipos de governo considerados de esquerda.
Vejamos o caso de Boric, no Chile. Esse é um governo com um verniz muito fraco de esquerda, mas querido pelo imperialismo. Não há nenhuma contradição significativa, nem mínima, do governo chileno com a política imperialista mundial. Boric, inclusive, se coloca contra governos de esquerda como a Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Diferentemente de Boric, Lula é abertamente um aliado desses governos, que são inimigos declarados do imperialismo. É no mínimo estranho que Lula e o petismo sejam gestados no imperialismo, como diz a tese de Jones Manoel. Isso não significa, logicamente, que o governo Lula tenha a mesma política dos governos citados, mas menos ainda tem a política de Boric, esse, sim, mais próximo da ideia apresentada por Jones Manoel como “social-liberal”.
Vejamos agora o problema da política do petismo em si. Segundo Jones, o “núcleo central do projeto petista/Lulista não é reformista”. Jones Manoel se prende à teoria anterior e abandona uma caracterização concreta do PT e Lula.
O PT, independente da intensidade de sua política, é um partido reformista. São reformas muito tímidas, é um governo muito comprometido com a direita? Sim, mas isso não transforma o PT em outra coisa.
A profundida das reformas que um partido como o PT pode fazer vai depender também da situação política e da luta de classes. De um ponto de vista geral, a política do PT e de Lula é de uma defesa de reformas. Prova disso é haver uma intensa queda de braços internamente com os setores da direita que não querem nem ouvir falar de medidas populares.
Jones Manoel fala que o PT está comprometido com o regime. Isso pode ser verdade, mas quem disse que um partido reformista não está justamente comprometido com as instituições? Isso não define o problema.
As caracterizações de Jones Manoel são abstratas, não consideram a realidade. Por exemplo, que o PT não é apenas seu “núcleo duro”, mas o maior partido de esquerda da América Latina, um dos maiores do mundo. Ou seja, o PT tem uma base social popular gigantesca. Isso sem contar, e é o mais importante, os milhares de sindicatos e organizações populares atrelados de alguma maneira ao PT. Lula só é Lula por conta dessa constituição social que Jones Manoel não leva em conta.
Por fim, o balanço de Jones Manoel não propõe uma política para os trabalhadores. Qual será a tarefa da esquerda diante do governo? Ele mesmo admite que se houver uma mobilização, pode haver alguma reviravolta no sentido de políticas sociais mais profundas. Se de fato é assim, seria preciso propor um programa para o povo, que impulsione uma política à esquerda, que convoque os trabalhadores para a luta por suas reivindicações contra a direita presente no governo.