O indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao cargo de procurador-geral da República (PGR), Paulo Gonet, escreveu contra o aborto em 2009, fazendo um duro ataque contra os direitos das mulheres. Intitulado “Proteção do Direito à Vida: A Questão do Aborto”, Gonet defende que “a defesa do aborto do anencéfalo e da utilização de embriões para atividades de pesquisa e de terapia em terceiros, parte do pressuposto de que a vida humana – e, portanto, o surgimento de uma pessoa – não se daria logo com a fecundação“, o que, segundo o futuro PGR, “nega que ao embrião se possa reconhecer a proteção devida pelo princípio da dignidade da pessoa humana”, reproduzindo o argumento religioso de que a vida começa com a fecundação, o que não é nada além de uma especulação. O artigo de Gonet, por sinal, cita a Encíclica Evangelium Vitae, escrita pelo papa João Paulo II, e a “Instrução sobre o respeito à vida humana nascente e a dignidade da procriação”, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, que afirma: “a inviolabilidade do direito do ser humano inocente à vida desde o momento da concepção até à morte”.
O problema do aborto no mundo e no Brasil, suscita preocupações significativas no que diz respeito à saúde pública e aos direitos reprodutivos. Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 2010 e 2014, ocorreram aproximadamente 55 milhões de abortos em todo o mundo, sendo que 45% destes foram classificados como inseguros. No entanto, no Brasil, a obtenção de informações sobre o aborto e suas complicações é uma tarefa desafiadora devido à incompletude dos dados disponíveis. Os registros assistenciais estão limitados ao setor público, enquanto as estatísticas de mortalidade dependem de uma investigação minuciosa dos óbitos.
Apesar da dificuldade em obter uma estimativa precisa do número de abortos no País com base nos dados oficiais de saúde, foi possível traçar um perfil das mulheres em maior risco de óbito por aborto. Isso inclui mulheres de cor preta e indígenas, com baixa escolaridade, idade inferior a 14 anos ou superior a 40 anos, residentes nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e sem companheiro.
Além das preocupações já existentes, o Brasil enfrenta a possibilidade de agravar ainda mais a situação com a discussão da Lei do Nascituro. Embora tenha sido pautada em 2013 e não tenha sido aprovada, o avanço de forças conservadoras e a falta de apoio da esquerda pequeno-burguesa levantam a possibilidade de sua aprovação. Essa lei, caso seja implementada, conferiria personalidade jurídica integral ao feto desde a concepção, transformando o aborto em crime hediondo, inclusive em casos de estupro, anencefalia fetal e risco à vida da gestante. Além disso, ela proibiria a fertilização in vitro e pesquisas com células-tronco.
Segundo informações disponíveis no sítio da Câmara dos Deputados, estima-se que cerca de 800 mil mulheres realizem abortos anualmente no Brasil, das quais 200 mil recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS) para tratar as sequelas de procedimentos malfeitos. Conforme a OMS, esse número pode ultrapassar um milhão de mulheres. O aborto figura como o quinto maior causador de mortes maternas no País, e estudos indicam que uma em cada cinco mulheres com mais de 40 anos já realizou pelo menos um aborto na vida. Com 37 milhões de mulheres nessa faixa etária, estima-se que 7,4 milhões de brasileiras já tenham passado por essa experiência.
Diante desse cenário, o Brasil, que já é considerado um dos países mais repressivos em relação ao aborto, arrisca se tornar ainda mais restritivo com a possível aprovação do Estatuto do Nascituro. Essa perspectiva levanta sérias preocupações quanto aos direitos reprodutivos e à saúde das mulheres no País.
A direita e seus lacaios tentam colocar o problema do aborto como se fosse um problema moral, porém a mulher rica o faz de forma relativamente segura, já as pobres, precisam recorre a métodos clandestinos, o que muitas vezes as leva à morte. O problema, finalmente, é político.