Depois de caírem por terra hipóteses que atribuíam o golpe militar no Gabão a franceses ou norte-americanos, o desenvolvimento da situação política tem apontado um caminho nacionalista e, por isso mesmo, anti-imperialista. A Gabon Media Time, importante veículo da imprensa local, publicou uma análise onde questiona se o país se aproximará militarmente da China e da Rússia: “Parceria militar: o Gabão se voltará para a China ou a Rússia?”
A análise levanta esse questionamento a partir do anúncio feito pela França no começo do mês de que estava suspendendo a cooperação militar com o país:
“Por meio de seu ministério, Miss Sébastien Lecornu, a França anunciou em 1º de setembro de 2023 a suspensão da cooperação militar entre o Gabão e a França, uma decisão que já seguia a condenação da operação de resgate da nação liderada pelas forças armadas gabonesas poucas horas após o contestado resultado das eleições presidenciais que declararam Ali Bongo Ondimba como vencedor”.
Essa situação suscitou expectativas sobre quem poderia ocupar esse lugar estratégico para o país e especificamente para o grupo que assumiu o controle do país no final de agosto. A matéria da Gabon Media Time entende a ação francesa como uma tentativa de pressionar os militares gaboneses, mas que ela tende a não funcionar como pretendido:
“Se essa medida parece ser resultado da vontade da antiga potência colonial de aumentar a pressão para restaurar a ordem constitucional, ela pode ter implicações inegáveis. Na verdade, em um mundo multipolar onde as grandes potências agora têm um interesse no continente africano, e em um contexto global de rejeição da política francesa na África, como demonstrado pela multiplicação de manifestações hostis, especialmente na África Ocidental, essa decisão do governo francês pode ter consequências significativas.”
“De fato, em um contexto de reconstrução, a questão da formação das forças armadas é sem dúvida uma prioridade. Com essa ruptura, a França arrisca ver as novas autoridades se aproximarem de outros parceiros.”
Um fato importante que a análise explicita é que parcerias com a China e a Rússia tendem a ser mais vantajosas ao Gabão. Algo que do ponto de vista marxista é bastante óbvio, pois o imperialismo só estabelece relações de dominação com os países atrasados e nem China, nem Rússia detém esse status em negociações internacionais. Mas chama a atenção que isso venha se tornando evidente para um número cada vez maior de pessoas. A análise da imprensa gabonesa ainda interpreta a possibilidade de parcerias militares com chineses e russos como uma “continuação lógica” das relações econômicas entre esses países:
“De fato, a privação dessa cooperação militar secular pode levar o Comitê para a Transição e a Restauração das Instituições a considerar as ofertas de parceria de países como a China e a Rússia, uma colaboração que pode ser vista como mais equitativa. Essa mudança é uma continuação lógica, uma vez que, do ponto de vista econômico, a China é, nos últimos anos, o principal parceiro econômico do Gabão. No caso específico da Rússia, ela tem se aproveitado da retirada de todas as tropas francesas, especialmente na África Ocidental, para estabelecer parcerias militares. Aliás, o Gabão já havia intensificado essa parceria por meio da assinatura de alguns acordos durante os governos anteriores.”
Esse trecho mostra ainda que o atual cenário de crise do imperialismo francês na África não foi um “raio em céu azul”, mas resultado de um enfraquecimento da dominação francesa. Algo que se explica tanto pela prolongada crise econômica mundial quanto pelos sinais de enfraquecimento da dominação do principal imperialismo do mundo atual, o norte-americano. Se as derrotas norte-americanas pareceram até rápidas a partir do Afeganistão, as francesas estão até difíceis de acompanhar, com sucessivos levantes nacionalistas nos últimos meses.
Se os militares do Gabão vão finalmente estabelecer parcerias militares com chineses ou russos, teremos que seguir acompanhando para saber. Mas a expectativa repercutida na imprensa do país mostra que existem setores importantes no Gabão que estão considerando seriamente essa possibilidade.