Em 1895, o “fundador” do sionismo, o judeu austríaco Theodor Herzl, redigiu a obra O Estado Judeu, cuja premissa principal era a formação de um Estado judaico por meio de um congresso sionista, composto exclusivamente por judeus. Dessa concepção teórica, Herzl passou à prática e, em curto período, estabeleceu o “Sionismo Político”, realizando, em 29 de agosto de 1897, o primeiro congresso sionista, na Basileia, Suíça. Durante esse evento, instituiu-se a Organização Sionista Mundial, sendo Herzl eleito como seu presidente, que pouco tempo depois, escreveria a Cecil John Rhodes, uma figura proeminente do imperialismo britânico, a quem expressou sua inspiração para o empreendimento político que ambicionava ver concretizado:
“Você está sendo convidado a contribuir para a escrita da história. Isso não deveria assustá-lo, nem causar risos. Não está dentro de sua esfera habitual; não trata da África, mas sim de uma parte da Ásia Menor, não envolve ingleses, mas sim judeus. No entanto, se isso estivesse em seu caminho, já teria sido realizado por você mesmo. Então, como posso me dirigir a você, uma vez que este é um assunto fora do seu caminho? De fato, como? Porque é um assunto colonial [grifo nosso] e exige a compreensão de um desenvolvimento que levará vinte ou trinta anos. O senhor, Sr. Rhodes, é um visionário tanto em termos políticos quanto práticos… Quero tê-lo ao meu lado… para endossar a autoridade do plano sionista”, escreveu o “pai” do sionismo.
A carta fora encontrada nos diários de Herzl e indicam que ele as enviou a Rhodes em 1902. O inglês foi também o fundador da empresa de mineração De Beers, que controlava a exploração de diamantes no Sul da África, sob condições desumanas, mesmo para os padrões da época:
“As condições de trabalho nas minas da De Beers eram explorativas e perigosas; parte do trabalho era realizado por prisioneiros não remunerados, enquanto mesmo os trabalhadores remunerados não podiam deixar seus alojamentos. Antes de fundar essa empresa, Rhodes era proprietário da British South Africa Company, que controlava minas de ouro na região e explorava de maneira semelhante os trabalhadores africanos” (Under Zionism, Jewish lives have always mattered more, Tom Pessah, +972 Magazine, 8/7/2020).
Comentando essa peculiar aproximação, o pesquisador canadense Abdul-Wahab Kayyali, PhD em Ciências Políticas pela Universidade George Washington (nos EUA), publicou ainda no ano de 1977 o artigo Zionism and Imperialism: The Historical Origins, onde questiona:
“Então, por que Herzl se voltou para ele [Cecil Rhodes], perguntou retoricamente o líder sionista? ‘Porque é algo colonial’, foi a resposta. O que Herzl buscava era um certificado de Rhodes para a viabilidade e desejabilidade coloniais: ‘Eu, Rhodes, examinei este plano e o considerei correto e viável’”, conclui em sua investigação.
O notável feito político de Rhodes e admirado por Herzl, no entanto, foi uma barbaridade: a colônia britânica, conhecida na época como Rodésia (atual Zimbábue), foi uma das primeiras a implementar o sistema de apartheid. Embora tenha se tornado política oficial no início do século XX, o método de dominação baseado em critérios raciais já era popular na África, especialmente a partir do século XIX. Na Rodésia, o “visionário” admirado pelo fundador do sionismo havia estabelecido a famigerada Lei Glen Grey, que obrigava os africanos a trabalhar para os colonos brancos, ao mesmo tempo em que proibia os nativos de adquirirem terras.
Promulgada em 1894 pelo Parlamento da Colônia do Cabo, administrada por Rhodes, essa legislação estabeleceu um sistema de posse de terras individual em substituição à posse comunal característica dos nativos e introduziu um imposto de trabalho, visando compelir os africanos a se empregarem em fazendas comerciais ou na indústria. Denominada em função do distrito inicial de Glen Grey, essa lei, que seria posteriormente estendida a áreas mais amplas, desempenhou um papel significativo na perpetuação do sistema de apartheid, vigente até 1994 na África do Sul.
Ao criar uma estrutura de posse de terras discriminatória e impor condições desfavoráveis de trabalho, a Lei Glen Grey contribuiu para a brutal opressão do povo negro que caracterizou o apartheid. Essa legislação tornou-se parte da organização política que fundamentou as políticas segregacionistas e discriminatórias na região. Algo muito similar ao que ocorre não na África do começo do século XX, mas na Palestina atual:
“Desde a década de 1980 – após a decisão da Suprema Corte israelense no caso Elon Moreh, que proibiu a construção de assentamentos civis em terras palestinas privadas – as autoridades israelenses permitiram a expansão dos assentamentos requisitando terras palestinas e declarando-as como ‘terras estatais’. Embora os palestinos representem cerca de 86% da população da Cisjordânia, nas últimas quatro décadas, a Administração Civil alocou menos de 1% das terras estatais na Cisjordânia para os palestinos, de acordo com dados obtidos pela organização israelense de vigilância de assentamentos Peace Now”, informa a supracitada reportagem de +972 Magazine.
Ao contrário da falsificação de que Israel foi fundado tendo o socialismo em mente, o “país” foi planejado como uma colônia sustentada sob um regime de apartheid, ainda que não fosse assim chamado na época, mas que teve em um projeto de dominação racista sua principal inspiração. Desde os primórdios de sua concepção, até a concretização do Estado e os dias atuais, a ocupação sionista jamais se desviou desse caminho nem por acidente.