Com uma paralisação geral e manifestações nas principais cidades do país, o povo francês mostra ao governo e ao presidente Emmanuel Macron o descontentamento por uma reforma que vai estender a idade mínima para aposentadoria dos 62 para os 64 anos.
Oito dos maiores sindicatos franceses e cinco organizações estudantis continuam a pressionar o governo. Nos dois dias de paralisação anteriores, em 18 e 31 de janeiro, mais de 1 milhão de pessoas atenderam ao chamado das organizações dos trabalhadores e saíram às ruas.
O setor de transportes foi o mais afetado pelas duas últimas paralizações. No entanto, desta vez o movimento grevista tem menos impacto, apesar disso, a circulação de trens e metrôs segue aturdida. De acordo com os sindicatos, um terço dos empregados do setor ferroviário deve aderir à mobilização nesta terça-feira. No transporte aéreo, a Direção Geral da Aviação Civil (DGAC) recomendou às companhias aéreas o cancelamento de 20% dos voos no aeroporto de Orly, situado na região parisiense, decorrente da greve dos controladores aéreos.
O óbvio resultado das paralisações dos transportes se expressou num tráfego intenso de automóveis, observados nesta manhã, na zona metropolitana de Paris. Cerca de 325km de congestionamento foram registrados nas vias que circundam a capital às 07h do horário local (03h em Brasília).
Além dos atos em Paris, outros 200 protestos explodem em todo o país, segundo fontes do Ministério do Interior, a mobilização popular pode chegar até 1,1 milhão de pessoas. Cerca de 11 mil policiais foram arregimentados pelo governo francês, dos quais 4 mil devem ficar apenas em Paris.
A greve não atingiu a magnitude dos outros dois dias de protesto, particularmente porque há férias escolares em diversas regiões do país. Além disso, por conta da alta dos custos de vida e a inflação crescente, muitos trabalhadores relutam em ter mais de um dia de trabalho descontado do salário mensal para fazer greve, como permite a legislação francesa.
Mas este é apenas mais um dia de protesto, nos muitos que os sindicatos convocaram na esperança de pressionar o legislativo. Um novo dia de paralisação está marcado para 14 de fevereiro, assim como no próximo sábado, dia 11, está marcada uma manifestação geral.
O legislativo
Os debates foram abertos na Assembleia Nacional francesa sobre o projeto de lei da reforma da previdência. Com 292 votos contrários e 243 favoráveis, os deputados rechaçaram uma moção do partido La France Insoumise (LFI), que defende a retirada do texto que impõe o recrudescimento das condições que garantem a aposentadoria integral.
“É a reforma ou a falência do sistema”, esbravejou o ministro das Contas Públicas, Gabriel Attal, em sua defesa ao aumento progressivo da idade de aposentadoria dos 62 para 64 anos, em 2030; somado ao aumento do tempo de contribuição, que passaria de de 42 para 43 anos em 2027. Já para a deputada Mathilde Panot (LFI), a reforma “agrava o caos” social.
O clima de tensão entre os deputados é expressão da tensão social que vive a França. Dois terços dos cidadãos estão do lado da oposição sobre a reforma previdenciária de Macron. Sem maioria absoluta do parlamento, o presidente tenta costurar o apoio do partido Les Républicains, parte da oposição de direita.
Com a burguesia determinada a levar a reforma adiante, apesar da rejeição popular, o governo recorre a um procedimento parlamentar que limita o tempo de debates no Senado e na Assembleia. Caso as duas Câmaras do Parlamento não tenham conseguido se pronunciar até 26 de março, a primeira-ministra poderá, por meio de uma portaria, seguir com a reforma. Como um verdadeiro país “democrático”, o aparato de Estado francês ignora o povo.
Contexto
É preciso situar a crise francesa na ampla crise europeia. Além de uma possível recessão “pós-COVID 19” causada pela brusca desaceleração econômica mundial, existem 3 fatores cruzados, oriundos da guerra ucraniana, que aleijam a economia européia.
Em primeiro lugar temos a crise energética, que tomou corpo após o ato de terrorismo estatal promovido pelos EUA: a explosão do gasoduto “NORD STREAM 1”, mas que já estava desenhada quando a UE sancionou o gás russo, fundamental para alimentar a indústria europeia e, em especial, alemã (motor industrial do continente). Em segundo plano, temos o influxo de imigrantes, em especial ucranianos (4 milhões de refugiados atualmente) que consomem amplos recursos destinados a gastos sociais. Por fim, os custos do apoio militar e humanitário que já somam mais de €600 milhões e com novo pacote de €400 milhões já anunciado por Ursula von der Leyen, significam que a burguesia jogará os custos da crise nas costas da classe trabalhadora europeia e de todos os países capitalistas atrasados.
É importante salientar, também, que diferente das manifestações dos “coletes amarelos”, os sindicatos e demais organizações da classe, estão nas ruas em peso para demandar o fim da reforma da previdência. Este fator logra um avanço qualitativo do movimento operário e o torna mais perigoso.