A França enfrenta uma instabilidade no regime político há semanas. O estopim para a crise foi o projeto de Reforma da Previdência apresentado por Macron e sua posterior aprovação – à revelia do Parlamento através do artigo 49.3 da Constituição. No entanto, esta não é a causa real das grandes manifestações operárias que tomaram conta do país, em um alto grau de radicalização.
Na realidade, ela é o desenvolvimento da deterioração do regime político francês e de sua política neoliberal. Tais características já estavam em cena durante o mandato anterior de Macron, com as manifestações dos coletes amarelos – que aparentavam ser uma oposição de direita ao governo.
No entanto, a caracterização correta do movimento que tomou as ruas contra o governo não deveria se dar nem fundamentalmente, nem principalmente pelo seu caráter ideológico. Ele era um reflexo da grave instabilidade política do regime burguês da França, da crise causada pelo regime neoliberal, da desindustrialização e das demissões.
Portanto, as centrais sindicais deveriam ter tomado a frente do movimento; no entanto, por conta da política do mal menor e confundindo alhos com bugalhos – graças a uma caracterização idealista do movimento, quando tal traço não consistia no fundamental –, o movimento sindical o deixou à deriva para a extrema-direita. No final das contas, os coletes amarelos foram aproveitados politicamente pela fascista Le Pen.
Agora, como desenvolvimento dessa crise, o povo francês sai às ruas de novo contra o neoliberalismo, mas com um nível de compreensão ideológica maior e com uma participação ativa das centrais sindicais – embora, é verdade, que com uma política muito tímida e conciliadora.
Tal desenvolvimento deve ser buscado nas condições materiais. A reforma da previdência, que foi um duro ataque, evidentemente, foi o estopim para as manifestações, mas não foi sua causa. A causa é a crise econômica, cada vez mais profunda – e que sofreu grande impulso por conta da guerra da Rússia contra a OTAN.
Os esforços militares em que a França se empenhou para contribuir com os nazistas ucranianos na guerra contra a Rússia levaram o país a uma exaustão financeira. A burguesia francesa, enquanto despejava dinheiro nos ucranianos e sancionava os russos, decidiu cortar toda uma série de coisas que compões condições elementares de vida dos trabalhadores para sustentar sua empreitada. Portanto, é importante ter claro que a reforma da previdência foi só o estopim, quando a situação se tornou totalmente insustentável, e o conjunto do povo, liderado pela classe operária organizada nos sindicatos, levou sua revolta a um alto nível.
Isto é, agora, a mobilização se dá em uma etapa política superior, não por conta de critérios ideológicos, mas por conta de uma maior deterioração do regime político francês em razão da crise, em parte causada pela guerra, em parte pela fraqueza do imperialismo. No entanto, é importante, ainda, assinalar a atuação da CGT – a principal central sindical francesa – durante a mobilização.
Trata-se de uma atuação muito tímida. Enquanto os trabalhadores incendeiam carros e prédios públicos – chegaram, inclusive, a incendiar a prefeitura de Bordeaux –, a CGT chamou apenas uma paralisação ao invés de convocar uma greve geral por tempo indeterminado até a derrota do governo Macron. Ou seja, a atuação da CGT é quase como um dique de contenção da mobilização da classe operária francesa. Se não fosse isso, ela tenderia a se desenvolver muito mais do que se desenvolveu, podendo chegar até mesmo a características revolucionárias.
Por fim, deve-se citar como fator para que os acontecimentos na França chamem tanto atenção o fato de que a classe operária francesa é a classe operária mais avançada do mundo neste momento. Ou seja, ela entra na luta com antecedência em relação ao proletariado dos outros países; portanto, há margem para prever que ela irá se alastrar para outros países, em primeiramente na Europa, posteriormente do planeta, colocando os acontecimentos da França em primeiro plano.