Desde o final do ano passado, sucessivas movimentações da classe trabalhadora vêm abalando o regime político no Reino Unido e na França. Greves e paralisações de trabalhadores dos setores da saúde, da educação e dos transportes ferroviário e aéreo, além de setores da indústria pesada, apontam para uma explosão social inevitável.
Reino Unido
Mais de meio milhão de trabalhadores britânicos já haviam entrado em greve até essa quarta-feira (8), com sindicatos de diversos setores mobilizando e paralisando por melhores salários e condições de trabalho.
Eles incluem 300 mil professores na Inglaterra, que o Sindicato Nacional de Educação diz ter sofrido um corte de ao menos 23% nos salários reais desde 2010; professores na Escócia; cerca de 100 mil funcionários públicos em mais de 100 departamentos, incluindo guarda costeira e funcionários do Departamento de Trabalho e Previdência; 70 mil trabalhadores universitários, incluindo professores e pessoal de segurança e; cerca de 100 mil maquinistas de trem e ônibus.
Tal ação de greve generalizada não ocorre desde a mobilização do setor público em 2011, quando se estima que mais de um milhão de trabalhadores tenham cruzado os braços contra a reforma da Previdência.
As reivindicações, neste momento, variam de acordo com cada sindicato, mas incluem aumento de salário acima da inflação, inclusive para corrigir quedas históricas dos salários reais; reforma das aposentadorias (que variam por setor) e a manutenção dos direitos trabalhistas nos casos das demissões sem justa causa. O Sindicato Nacional de Educação (NEU) diz que o ensino está em “crise”, pois o corpo docente é levado a abandonar a profissão, pelo derretimento do salário, reajustado abaixo da inflação.
Os protestos também tratam de um projeto de lei que foi aprovado na Câmara dos Comuns na terça-feira que procura impor níveis mínimos de serviço em alguns setores tidos como “essenciais”, com trabalhadores podendo ser demitidos caso se recusem a trabalhar quando determinado pelo Estado, mesmo nos dias de greve. É um flagrante atentado ao direito de greve, como vem sendo feito no Brasil, especialmente após a derrota da greve dos petroleiros no governo de Fernando Henrique Cardoso.
O “Congresso Sindical” (TCU) descreveu o projeto de lei como “errado, impraticável e quase certamente ilegal”.
Os trabalhadores dos correios também entraram em greve e os bombeiros votaram a favor de futuras ações de paralisação.
A greve segue as paralisações dos motoristas de ambulância e enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde, que por sua vez, seguem as greves dos ferroviários, que estão de braços cruzados desde 2022.
França
Como apontamos em matéria anterior, a efervescência social também toma conta da França. O setor de transportes foi o mais afetado pelas duas últimas paralisações. De acordo com a “Confédération Générale du Travail” (CGT) — a central sindical francesa —, dois terços dos empregados do setor ferroviário devem aderir à mobilização no dia 14. Além dos atos em Paris, outros 200 protestos explodiram em todo o país, segundo a CGT 800 mil pessoas tomaram as ruas.
Um novo dia de paralisação está marcado para 14 de fevereiro, assim como no próximo sábado, dia 11, está marcada uma manifestação geral. É importante salientar, também, que diferente das manifestações dos “coletes amarelos”, os sindicatos e demais organizações da classe, estão nas ruas em peso para demandar o fim da reforma da Previdência. Este fator logra um avanço qualitativo do movimento operário e o torna mais perigoso para o regime político.
Causas
Além de uma possível recessão “pós-COVID 19” causada pela brusca desaceleração econômica mundial, existem três fatores cruzados, oriundos da guerra ucraniana, que aleijam a economia europeia.
Em primeiro lugar, temos a crise energética, que tomou corpo após o ato de terrorismo estatal promovido pelos EUA: a explosão do gasoduto “NORD STREAM 1”, mas que já estava desenhada quando a UE sancionou o gás russo, fundamental para alimentar a indústria europeia. Em segundo plano, temos o influxo de imigrantes, em especial ucranianos (4 milhões de refugiados atualmente) que consomem amplos recursos destinados a gastos sociais. Por fim, os custos do apoio militar e humanitário que já somam mais de €600 milhões e com novo pacote de €400 milhões já anunciado por Ursula von der Leyen, significam que a burguesia jogará os custos da crise nas costas da classe trabalhadora europeia e de todos os países capitalistas atrasados.
Para se ter real dimensão da crise, vemos no Reino Unido como a remuneração média, excluindo bonificações, aumentou em 2,7% no setor público entre agosto e outubro de 2022. O setor privado obteve, em média, um aumento salarial maior: 6,9%. Tais reajustes não chegam perto de cobrir a maior inflação dos últimos 41 anos, que bateu números superiores a 10% e não dão sinais de diminuição.
O que vemos em duas das três maiores economias da Europa é a entrada da classe trabalhadora na luta política, estimulada pela imensa crise econômica que não apresenta saídas nos marcos do capitalismo. A presença das organizações da classe significa uma evolução qualitativa da crise, que rapidamente ameaça fugir do controle burguês.