Em um texto escatológico do início ao fim, o articulista Aquiles Lins, do Brasil 247, classificou a indicação de Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal (STF) como um “gol de letra de Lula no combate à extrema-direita”. Seu argumento é o de que – pasmem – a indicação do atual ministro da Justiça refletiria a “necessidade de fortalecer a Suprema Corte na defesa da Democracia e da Constituição”.
Acontece que “fortalecer a Suprema Corte” não deveria passar pela cabeça de nenhum presidente de esquerda. Em todos os países onde existe, os tribunais constitucionais atuam como um poder acima Executivo e do Legislativo, servindo, na prática, como um instrumento dos setores mais poderosos da burguesia para impor a sua ditadura. Por princípio, a Suprema Corte á algo abominável e antidemocrático: é um tribunal composto por menos de uma dúzia de figuras de mandato vitalício, que não são eleitas por absolutamente ninguém. Que o STF tenha o poder de tutelar o Congresso Nacional e o presidente da República é o exato oposto do que pode se chamar de uma “democracia”.
Se o “fortalecimento” do STF já deveria ser algo inadmissível para a esquerda no geral, mas ainda deveria ser para o próprio Lula. Afinal, ele e seu partido, há não muito tempo, foram vítimas de um golpe de Estado em que o Poder Judiciário cumpriu um papel fundamental. Lula, por exemplo, passou 580 dias na cadeia pro causa da perseguição de um juiz de primeira instância – Sergio Moro – que foi avalizado, em todos os seus passos, pelos ministros do STF. Nas vésperas de ser levado para a sede da Polícia Federal de Curitiba, Lula ainda teve um habeas corpus negado pela Suprema Corte, em um episódio que contou com a participação explícita das Forças Armadas.
O que torna o argumento de Aquiles ainda pior é que a “defesa da Democracia” é justamente o que há de pior no Supremo Tribunal Federal. A princípio, uma “defesa da democracia”, se essa defesa tem um conteúdo progressista, deveria ser a defesa dos direitos democráticos da população. Nunca, portanto, o STF deveria ter chancelado a perseguição a Lula.
Acontece que o que o STF chama de “defesa da democracia” é, na verdade, a defesa das “instituições democráticas”. Isto é, a defesa das instituições do Estado. Resumindo ainda mais: a defesa do Estado.
A “defesa da democracia” do STF é, por exemplo, mandar prender um deputado como Daniel Silveira (PTB-RJ) por xingar ministros da corte. Aquiles Lins é bem consciente disso quando afirma que:
“À frente da Justiça e da Segurança Pública no terceiro governo Lula, Dino enfrentou com coragem a turba fascista de apoiadores de Jair Bolsonaro que executou os atos golpistas de 8 de janeiro. Mostrou-se um defensor intransigente da legalidade e da Constituição, e jamais titubeou diante das centenas de ataques que sofreu e ainda sofre do bolsonarismo”.
Se há melhor indício de que a indicação de Flávio Dino ao STF é um erro, é justamente a sua conduta diante dos acontecimentos de 8 de janeiro. O ministro, que simplesmente não agiu diante da maior crise política do governo até o momento por confiar nas informações que lhe foram passadas, depois, em uma tentativa ridícula de tentar se redimir de sua incompetência, passou a perseguir uns pobres coitados que nunca teriam condições de organizar um “golpe de Estado”. Dino é cúmplice de Alexandre de Moraes no teatro montado após o 8 de janeiro, em que generais foram poupados, ao mesmo tempo em que cidadãos comuns foram condenados a passar metade da vida na cadeia.
A indicação de Dino, portanto, passou muito longe de ser um “gol de letra de Lula”. Foi, na verdade, um gol contra: o presidente acaba de indicar para o poder mais golpista do regime político uma figura que vem se mostrando disposta a seguir exatamente o que os caciques do STF mandarem.