Na manhã de quarta-feira, no dia 20 de setembro, o vereador de Dourados, Rogério Yuri, ganhou espaço nas tribunas da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul para apresentar o que chamou de pedido de “apoio para resolução de questão indígena de Dourados”.
A primeira coisa que chama a atenção é que o vereador não tem nenhum histórico de apoio à luta dos índios, muito pelo contrário, o vereador, filiado ao PSDB, partido dos latifundiários do Estado, é investigador da polícia civil. E é conhecida a forma em que as polícias tratam os índios e defendem os latifundiários. E por que um policial civil e de um partido historicamente ligado aos latifundiários e que apoiaram as maiores atrocidades contra os índios agora criasse uma Frente Parlamentar que vai beneficiá-los?
Somente uma pessoa desinformada ou muito ingênua poderia acreditar que se trata de uma iniciativa neutra e bem-intencionada. Mas poderíamos esperar a mesma posição de pessoas políticas que sabem e veem os conflitos de terras e pertencem a partidos historicamente ligados a luta pela reforma agrária? Até mesmo de parlamentares e ex-governador do Mato Grosso do Sul como o atual deputado estadual Zeca do PT?
Por mais trágico e cômico que possa parecer, nos bastidores, setores da imprensa que acompanham a questão do índio, mostraram-se mais surpresos com a farsa do que a própria esquerda pequeno burguesa. Tudo isso é muito mais intrigante ainda por se tratar justamente da “questão indígena” no Estado, pauta que tradicionalmente a esquerda defende e que possui grande apoio entre os índios.
O policial-vereador tucano de Dourados, Rogério Yuri, está procurando apoiadores políticos para acabar com as retomadas realizadas pelos índios e levou essa discussão até a Assembleia Legislativa do estado. Inclusive já possui o apoio do Secretário de Justiça do Mato Grosso do Sul, o ex-delegado da polícia civil de Dourados, Antônio Carlos Videira.
Durante a visita do vereador diversos parlamentares deram seu apoio pessoalmente ou na tribuna da ALEMS. Uma síntese das falas dos parlamentares na Assembleia do Mato Grosso do Sul aponta para ausência de discursos e argumentos que pudessem contrapor a posição do vereador e de suas intenções dentro da Frente Parlamentar. Com pequenas diferenças de enfoque, prevaleceu o clima de cooperação.
De propositor da pauta e do debate sobre as questões dos índios no Estado, a esquerda passou para coadjuvante das políticas da direita e, portanto, não há outra forma de tratar a questão, mas observar que estamos diante de uma histórica capitulação as posições da direita latifundiária.
Há um aspecto bastante conjuntural na política do Estado que de certa forma explica a situação particular da capitulação da esquerda no que se refere às reivindicações dos índios, a saber, a aliança do PT com o PSDB na última eleição. E há também uma figura chave desta conjuntura: o ex-governador Zeca do PT.
A posição de “encerrar” os conflitos é que os dois lados querem, mas é necessário saber a que custo. Os latifundiários querem “pacificar” os conflitos fundiários do estado entre índios e latifundiários, não cedendo aos direitos dos índios e suas terras tradicionais. Querem pacificar com violência contra os índios, perseguição a lideranças e intimidações. E dessa forma acabar com as retomadas e lutas por direitos. E é muito diferente da posição dos índios e dos pequenos proprietários que é de demarcar as terras dos índios e, caso de boa-fé, indenizá-los.
A posição da esquerda pequeno burguesa do estado não é diferente daquela que vem adotando desde a época da eleição ao Governo, ano passado, quando já no primeiro turno, em um gesto profundamente traiçoeiro, abriu mão de apoiar a candidatura do PT e declarou apoio ao candidato do PSDB. Incluindo setores do PSOL, como do ex-candidato ao governo que também apoiou o latifundiário Eduardo Riedel e está na base do governo com cargos.
No início desde ano, Zeca do PT, já em seu mandato de deputado estadual e base do governo Riedel, condenou os índios que lutavam pela retomada de Laranjeira Nhanderu (município de Rio Brilhante) e defendeu o fazendeiro que ocupava a área. Não por acaso ele foi quem mais prontamente e de modo contundente declarou apoio à comissão do vereador Rogério Yuri.
Como não é pretensão aprofundar cada elemento da análise neste momento, a reflexão que deixo sobre esse aspecto da conjuntura é a seguinte: mais oportunista que o próprio Zeca é o discurso que se criou no PT para manter a posição do Zeca no partido e, ao mesmo tempo, tirar proveito desta posição. Hoje o problema fundamental do PT no Mato Grosso do Sul não é o Zeca, a posição do Zeca é cada vez mais clara e objetiva, o grande problema é a hipocrisia daqueles que criticam o Zeca e lamentam, mas que nos bastidores tiram proveitos próprios da situação.
Um segundo aspecto da questão é o afastamento da esquerda da base dos movimentos sociais. De fato, se por um lado evitar o embate com a direita para manter os cargos e benefícios em troca de apoio pessoal para os mandatos é um oportunismo dos representantes dessa esquerda, não se pode negar também a incapacidade de apresentar qualquer argumento que possa confrontar o discurso da direita nas reivindicações dos índios e ir a reboque da direita.
Devido aos acordos em troca de cargos e emendas parlamentares, a esquerda pequeno burguesa não apresenta as reivindicações fundamentais dos índios para não se chocar com a direita e com o governo latifundiário. E ainda mais, como não possuem uma política para os índios, vão a reboque de qualquer política apresentada pela direita, mesmo que seja um araque frontal aos índios e seus direitos.
O caso da comissão parlamentar é exemplar. Não havia ninguém na assembleia que pudesse apresentar elementos para contrapor ou denunciar duramente o frágil e descabido discurso ou da farsa das suas intenções com os índios, como é o caso do vereador policial, Rogério Yuri.
Nem mesmo a mais evidente como a situação apresentada como um conflito onde os lados têm o mesmo poder de fogo. Disse o vereador: “discriminação e violação dos direitos de ambas as partes”. A esquerda parecia desconhecer ou fingir desconhecer – qualquer dos casos é muito grave – que esta não é a situação real. Só existe um lado com pistoleiros, grilagem de terras, violência e com apoio da polícia e do estado: os latifundiários.
Desconhece também os atos ocorridos na área que foram abafados pela grande imprensa. Uma semana antes da sessão na assembleia, dois menores índios foram baleados justamente na área que motivou a ação do vereador. Parecia também de total desconhecimento de todos os deputados, incluindo os da esquerda pequeno burguesa, que os barracos dos índios foram queimados pelas mesmas pessoas que balearam os menores. É normal que esse discurso seja construído pela direita, mas que a esquerda ignore completamente a situação ou capitule diante dos fatos e dos argumentos da direita é bastante vergonhoso e demonstra a falência da esquerda pequeno-burguesa, em particular do Partido dos Trabalhadores, que está se afastando cada vez mais dos movimentos populares e dos explorados em troca de cargos e de uma política voltada a classe média direitista.