“Unidos na Concórdia e na fraternidade, dizemos: desperta, ó, Gabão, pois uma aurora surge! Estimula em nós o ardor que vibra e nos eleva! Assim, enfim, encontraremos o caminho para a felicidade!”.
Essa é a tradução livre do refrão da bela La Concorde, hino nacional do Gabão. Composta em 1960, a canção foi incorporada oficialmente aos ritos oficiais gabonenses no mesmo ano de sua independência.
Curiosamente, a independência do Gabão em si não é algo tão celebrado por muitos gabonenses. Há, inclusive, quem considere que sua separação da França tenha sido uma farsa. Afinal, a emancipação jurídica não veio através de um divórcio econômico de fato: o imperialismo francês impôs ao gabão uma série de “acordos” humilhantes que fizeram com que o país, até hoje, servisse como uma espécie de “floresta de caça privada” da França.
Quando, em 1964, um golpe militar tentou reverter parte desse quadro de dominação, a mesma França invadiu o Gabão e restabeleceu o seu presidente de confiança. De 1967 em diante, o gabão seria governado por uma mesma família: a dinastia Bongo, que ficou 56 anos no poder, até ser enfim derrubada pelo golpe de 30 de agosto.
Com essa história trágica, chega a ser irônico que sua capital se chame Libreville – justaposição em francês que significa “cidade livre”. Livre da França? De jeito nenhum. Livre de ditadores? Tampouco.
Tanto é essa a história do Gabão que seu hino, embora bonito, não fale nada que possa ser associado a uma independência de fato. Não remete às suas lutas, não remete a seus feitos. Toda a sua força reside em seu refrão que é um chamado à união. Não sobrou nada mais para os gabonenses.
E é por isso que, após o golpe de 30 de agosto, o povo saiu às ruas cantando com tanto vigor o refrão de La Concorde. O povo que não fora estimulado a hostilizar os seus colonizadores, nem a se orgulhar de sua própria nação, no momento em que se viu, enfim, confrontado com a possibilidade de se ver livre de seus exploradores, puxou da memória aquilo de mais positivo que lhe fora ensinado: “unidos”, “desperta, ó Gabão!”.
O golpe militar de 30 de agosto deixou o país inteiro em festa. Esse foi um dos raros golpes na história em que não se viu um único protesto contrário. Nada menos que 101% dos gabonenses já apoiavam o regime que estava por vir, de tão insuportável que era a dinastia dos Bongo. A derrubada de Ali Bongo não foi obra de nenhum partido. Ninguém sabia ao certo quem conduzia o golpe, nem as suas intenções. Mas bastaram poucos minutos para que o povo defendesse os militares com a própria vida. “Nós advertimos aos países sabotadores que irão querer atacar os nossos militares: nós vamos nos constituir soldados porque, em tempo de guerra, precisamos de homens valentes, e nós somos valentes”, disse um popular em discurso.
O povo se agarrou aos seus libertadores de imediato porque, na verdade, foi o próprio povo quem impulsionou a mudança do regime. Em seu esclarecedor discurso de posse como presidente da transição, Brice Oligui Nguema declarou: O exército republicano se recusou a apoiar a fraude que havia custado a vida de muitos cidadãos”, disse Nguema, referindo-se ao governo de Ali Bongo. “o povo gabonense simplesmente pediu que seus direitos fossem garantidos através de instituições. As forças de defesa e segurança tinham apenas duas opções: matar gabonenses que protestariam legitimamente ou pôr fim a um processo eleitoral viciado”. Isto é, os próprios militares estavam esperando que o país explodisse a qualquer momento.
Há quem diga que o dia 30 de agosto deveria ser incorporado ao calendário oficial do Gabão como o seu verdadeiro dia da independência. Se será ou não, cabe aos gabonenses, A nós, nos resta os votos para que o povo comemore como nunca a derrubada de Ali Bongo e, pela primeira vez de fato, faça valer as palavras que até agora eram vazias de significado. Que Libreville seja a cidade livre da dominação francesa e que o golpe militar abra o caminho de fato para a felicidade. Isto é, a real independência do Gabão.