Anteriormente, indivíduos que tinham hábitos sexuais considerados mais “liberais” eram frequentemente malvistos. No entanto, hoje em dia, aqueles que apenas afirmam sua identidade como homem ou mulher, ou expressam discordância em relação às teorias de gênero dominantes, enfrentam a atual forma de punição, conhecida como “cancelamento”.
Declaram, abertamente, que o próprio sexo, o próprio gênero, não existe. No fundo, o ser humano seria apenas um emaranhado de relações sociais e a biologia seria completamente descartável ou fatalmente secundária. Fato é que a teoria queer – base mais recente desta discussão – tem raízes filosóficas frágeis e consequências terríveis.
Em 1944, o sexólogo Jonh Money propôs a distinção entre sexo, que seriam as características sexuais determinadas pelo biologia ao nascer, e gênero, que seriam os papéis sociais e forma com a qual a pessoa se insere na sociedade ao longo de sua vida. Tal diferenciação não foi muito aceita na época, mas a partir de 1970 – não por acaso anos marcados pelo começo da política neoliberal – foi fortemente abraçada pelo movimento feminista.
A dicotomia entre sexo e gênero abriu espaço para uma nova filosofia idealista que separa, quase que por completo, as definições biológicas e sociais do ser humano. As primeiras seriam determinantes e justificariam a opressão da mulher com termos científicos. As segundas seriam extremamente variadas, o que permite que cada um possa se identificar com qualquer sexo, isto é, “ser” como quiser.
Desta maneira, as feministas levaram a luta da mulher não contra o sistema capitalista e a burguesia, mas contra algo que chamam de patriarcado, algo anonimo, uma dominação masculina em abstrato da sociedade completa. Pouco depois, extrapolando todos os limites desta diferenciação, a chamada terceira onda do feminismo abandonou a luta pelas reivindicações imediatas da mulher, como a luta pela igualdade salarial e luta pelo direito ao aborto, pela luta por mais representatividade e por novas normas sociais.
Assim alguns teóricos tentam emplacar uma nova teoria de gênero, conhecida popularmente como ideologia de gênero. Nela, a própria categoria do “ser mulher” e do “ser homem” devem ser questionadas e a luta da mulher passa a ser, antes de tudo, a luta para definir, ou melhor, “desconstruir” o que seria a mulher e os sujeitos de sua luta.
Judith Butler, filósofa norte-americana, uma das principais teóricas do movimento, diz que “levada a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos… A hipótese de um sistema binário dos gêneros encerra implicitamente a crença numa relação mimética entre gênero e sexo, na qual o gênero reflete o sexo ou é por ele restrito. Quando o status construído do gênero é teorizado como radicalmente independente do sexo, o próprio gênero se torna um artifício flutuante, com a consequência de que homem e masculino podem, com igual facilidade, significar tanto um corpo feminino como um masculino, e mulher e feminino, tanto um corpo masculino como um feminino.”
Para ela, o gênero é algo completamente instável, ou seja, ele pode ser determinado por um número indeterminado de variáveis, as quais também podem mudar ao longo da vida de alguém. Qualquer um pode ser o que bem entender, desde que se declare assim.
Esta filosofia leva a teoria a denunciar que na própria luta da mulher elas não podem ser protagonistas, como os mesmos reivindicam. Que, na verdade, a luta central deve ser travada contra as questões de gênero, o binarismo imposto pelo sistema cultural do capitalismo. Para piorar, os defensores mais enérgicos desta teoria dizem ainda que gênero, e mesmo o próprio sexo, não existem.
Respondendo a Simone de Beauvoir, uma feminista da segunda onda, famosa pela frase: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” ela diz:
“Não há nada em sua explicação que garanta que o “ser” que se torna mulher seja necessariamente fêmea. Se, como afirma ela, “o corpo é uma situação”, não há como recorrer a um corpo que já não tenha sido sempre interpretado por meio de significados culturais; consequentemente, o sexo não poderia qualificar-se como uma facticidade anatômica pré-discursiva. Sem dúvida, será sempre apresentado, por definição, como tendo sido gênero desde o começo”
Portanto, sexo não existe. Tudo sempre foi gênero. Como o ser humano é um ser social, a sociedade então definirá todas as características humanas, e assim, ao depender das condições sociais de cada um, qualquer pessoa pode ser qualquer coisa e de nada importa suas origens e suas qualidades naturais.
Outro argumento levantado é a existência de pessoas hermafroditas, hoje denominadas intersexuais, que nascem com genitálias indefinidas ou diferenciadas, e que durante a vida podem se identificar com diferentes papéis de gênero na sociedade. Como estas pessoas existem, bem como elas lembram que todos possuem diferentes quantidades de hormônios femininos e masculinos a sociedade não pode ignorá-los ou mesmo ignorar a instabilidade das classificações de macho e de fêmea.
De fato, o ser humano é um ser social e isso determina uma série de coisas, mas não tudo. O fato da pessoa nascer em sociedade não faz criar chifre, não faz uma mulher botar um ovo e assim gerar uma nova vida. Ou seja, a determinação tem um limite que precisaria ser reconhecido. Os teóricos da teoria de gênero, como Butler, não podem negar a parte biológica natural do ser humano como se ele fosse uma pura criação social.
O ser humano nasce de uma mulher. É um animal, um mamífero e consequentemente tem muitas características biológicas. Frente a uma ameaça de morte, por exemplo, a maioria dos seres humanos reagirá de maneira irracional para sobreviver, por meio de um extinto de sobrevivência. Agora, por outro lado, no mesmo exemplo, existem humanos que ficam impassíveis diante da possibilidade de morrer. Logicamente são encontradas exceções, mas não se pode tornar a exceção uma regra.
A confusão – propositalmente ou não – é que o ser humano não é uma máquina produzida em série. Como organismo biológico ele tende a variar, como tudo na natureza. Isto é, na verdade, uma lei da dialética. Trótski tem uma explicação, fala como exemplo, que um quilo de açúcar não é igual a outro quilo de açúcar, porque as coisas estão constantemente se modificando enquanto você ainda as analisa. Uma parte do açúcar pode ter se “corrompido”. Então esse um quilo, mesmo que ele fosse exatamente igual, com pequenas mudanças no ambiente ele deixa de ser igual.
A mutação, a variação das coisas, é uma lei da natureza. Tanto que é dito: o Ser Humano, mas quando se diz ser humano, fala-se de organismos biológicos que podem ter vários tamanhos, várias cores diferentes, várias características fisionômicas, físicas, vários tipos de cabelo. Há uma diferenciação que opera dentro de um determinado limite.
Sendo assim, não se pode pegar essa tendência a variação e transformar em uma norma. É apenas uma tendência a variação. Por exemplo, pessoas que trabalham com a criação de animais entendem ser normal nascer um determinado animal que é estéril, um determinado animal que é de tamanho muito diferente dos outros, um animal que tem características físicas diferentes, etc. Esses desenvolvimentos são espontâneos, não existe uma força social que os dirija, pelo contrário, eles acontecem pela simples ação das leis sobre a matéria. A lei opera, mas opera dentro de uma determinada “folga” de mutabilidade.
Não é por que há uma determinada variação que qualquer regra ou qualquer critério deve ser excluído. Não, existem leis próprias da natureza. A teoria queer busca atropelar completamente estas leis, tornando-se uma filosofia puramente subjetiva e, portanto, absurda.
A sexualidade do ser humano é uma coisa biológica. É como a necessidade de se alimentar, ao menos, três vezes ao dia. O contrário, seria concordar que o ser humano se alimenta algumas vezes por dia por questões sociais. Ou não tem influência social na alimentação? Tem e muita. Mas é possível alguém decidir socialmente que não precisa se alimentar? Não, logo a pessoa vai se alimentar ou morrer de fome.
No final das contas a teoria de gênero é uma teoria subjetiva levada muito longe. A maioria das pessoas é homem ou mulher, inclusive, homens e mulheres heterossexuais. Não fosse verdade, o ser humano teria desaparecido no meio do caminho percorrido até então. Quando se diz que o extinto de reprodução da espécie é uma norma não é uma mentira e muito menos uma alegação para perseguir alguém que não siga a norma.
No entanto, não cabe a nenhum ser humano achar que o diferente é uma monstruosidade. Qualquer um com o mínimo de desenvolvimento cultural e intelectual pode tratar com compreensão as diferenças. A esquerda, principalmente, não pode tornar constatações científicas um problema social.
A teoria queer, por sua vez, tem em vista ocultar o verdadeiro culpado pela opressão dos oprimidos. A luta agora é contra a coletividade. Contra os comportamentos mais comuns do ser humano. O estado burguês e a polícia, que atuam diariamente contra toda a sociedade não são problemas reais.
A ideia de que é cada um precisa se afirmar como é individualmente e a coletividade humana é opressora é um exato reflexo do neoliberalismo na filosofia. O que diz o liberal? Você tem que deixar o indivíduo livre. O que dizem várias das teorias pós-modernas e a teoria de gênero? Que o indivíduo deve ele próprio se definir para fugir da opressão.
Com o avanço da teoria de gênero e dos movimentos identitários uma parcela da esquerda se voltou não contra seus inimigos, mas contra a grande maioria da sociedade. A luta contra a burguesia agora é a luta contra a “heteronormatividade” e a “cisnormatividade”. É uma luta de um setor minoritário contra a maioria da população.
Por um lado parece uma coisa completamente maluca, mas, na verdade, é extremamente útil para a burguesia. Além de livrar-se de uma parte importante da população que poderia se aliar a vanguarda da classe trabalhadora, ela consegue criar figuras ilustres, sem sexo, para defender suas ideias protegidas de qualquer crítica.
Como se não bastasse, ela ainda se utiliza desta filosofia para aprovar medidas repressivas contra a população, como a criminalização da opinião. Como também, consequentemente cria um setor inimigo dos trabalhadores, mas que também não deve se aliar com a extrema-direita, ou seja, pronto para apoiar qualquer setor tradicional do imperialismo.
Assim, percebe-se: é um prato cheio para a política do imperialismo. Inclusive, boa parte desta filosofia foi desenvolvida com financiamento de sucursais do imperialismo nas universidades norte-americanas. Em 2019, como parte dos grandes vazamentos da CIA na época, documentos sigilosos mostram que a agência impulsionou estes teóricos pós-modernos para combater o movimento revolucionário na década de 70 após Maio de 68.
É importante fazer um estudo detalhado de como se desenvolveu a teoria de gênero e as outras campanhas identitárias, mas agora, é necessário compreender que são teorias reacionárias e extremamente prejudiciais para a esquerda. Trata-se de uma infiltração na esquerda, que embaralha o mapa, até mais que uma infiltração direta, que pode derrotar amplos setores daqueles que defendem os trabalhadores.