Matéria publicada pela Folha de S. Paulo destaca na sua manchete a proposta de redução significativa na verba eleitoral para campanhas de candidatos negros. Ao se avançar para o conteúdo, são elencadas outras propostas, que o jornal define em seu conjunto como “pontos que fragilizam a transparência e a punição a irregularidades cometidas por partidos e candidatos”. A ideia passada é que os parlamentares visam facilitar o descumprimento de leis de maneira desonesta. Argumento fácil de convencer levando-se em consideração a reputação dos políticos profissionais, em sua maioria representantes da mesma burguesia da qual a Folha de S. Paulo é uma porta-voz.
Em relação à destinação de verbas, a proposta de piso de 20% para candidatos “pretos e pardos” é menor do que o estabelecido unilateralmente pelo TSE em 2020, que exige que a verba seja distribuída pelo partido proporcionalmente à porcentagem de candidatos “pretos e pardos”, algo que gira em torno de 50%. Para as mulheres, também existe essa obrigatoriedade na distribuição pelos partidos, com o acréscimo de existir uma cota mínima de 30% dentro das candidaturas dos partidos. A matéria diz que a proposta atual à qual o jornal teve acesso flexibiliza a destinação dessa “cota feminina” nas verbas.
A proposta discutida na Câmara aponta ainda para uma simplificação na prestação de contas, ponto que atrapalha os partidos em geral, mas impacta mais aqueles que não contam com um batalhão de advogados e contadores para desbravar os labirintos que o TSE inventa a cada novo pleito. Um exemplo citado é a ampliação de 3 para 5 dias de prazo para informar recursos de campanha recebidos. Outro ponto levantado é acabar com as punições a partidos e candidatos por eventuais erros nas prestações de contas parciais, realizadas durante a campanha eleitoral, podendo ocorrer apenas em relação à prestação de contas final.
Conforme citado na mesma matéria, essa legislação draconiana em vigência impõe que “a não apresentação tempestiva da prestação de contas parcial ou a sua entrega de forma que não corresponda à efetiva movimentação de recursos caracteriza infração grave, salvo
justificativa acolhida pela Justiça Eleitoral, a ser apurada na oportunidade do julgamento da prestação de contas final”. Ou seja, pode ser oito ou oitenta, é infração grave mas se tiver a benção da Justiça Eleitoral está tudo bem. O tipo de lei feito para colocar os partidos na mão dos juízes, uma coisa acentuadamente antidemocrática.
Quem já se envolveu minimamente com esses labirintos sabe que a participação de um partido que não conta com o patrocínio de setores da burguesia é uma tarefa hercúlea. Isso se os magistrados não resolverem obstaculizar diretamente essa participação, como ocorreu com o PCO nas últimas eleições. Na ocasião, Alexandre de Moraes bloqueou o Fundo Eleitoral ao qual o partido tinha direito durante a primeira metade da campanha eleitoral. Na proposta atual esses bloqueios seriam proibidos.
Para além dos detalhes envolvidos na proposta em discussão, é preciso destacar dois aspectos fundamentais dessa disputa. Em primeiro lugar, é necessário lembrar que a formulação de leis é atribuição do Poder Legislativo, composto por pessoas eleitas para este fim, o que seria um funcionamento mais normal dentro do regime democrático burguês. Fora isso, devemos denunciar sempre o intervencionismo do Estado nos partidos. A escolha de candidatos e a distribuição de verbas entre as candidaturas é uma prerrogativa dos partidos, conforme sua própria estratégia política e decisões nos seus espaços de debate.
A pretexto de ampliar a participação de negros e mulheres nos “espaços de poder”, como a esquerda identitária gosta de falar, os juízes estão interferindo cada vez mais no funcionamento dos partidos. Uma verdadeira aberração, que nem de longe melhora a situação dos negros ou das mulheres em geral. Por outro lado, impõe a política identitária do Partido Democrata dos Estados Unidos, que serve para dar um verniz aparentemente democrático para a defesa de políticas antidemocráticas e antipopulares. Por outro, estimula o carreirismo de políticos profissionais, que disputam para ver quem é escolhido para defender os interesses da burguesia no parlamento.
O título da matéria citada, “Deputados articulam cortar mais de 50% da verba eleitoral para negros”, mostra que a burguesia procura manipular a opinião pública no sentido de que o embate opõe de um lado os parlamentares, que seriam contra os negros, e o judiciário, que seria a favor dos negros. Qualquer visita a uma penitenciária brasileira é suficiente para entender que a ideia de um judiciário “antirracista” não passa de um deboche contra o povo brasileiro. A coisa é tão escandalosa que até os partidos de direita se incomodam com o controle dos juízes. Mas vale lembrar aos esquerdistas emocionados com TSE e STF que serão os partidos da esquerda os mais prejudicados por esse intervencionismo nos partidos.