Sobretudo nas redes sociais e nos grupos mais sectários, tem-se disseminado uma crença inverídica de que a política externa brasileira, sob o comando de Lula, estaria guinando para nos tornarmos capachos dos imperialistas. A tese defende que Lula, um suposto aliado do Partido Democrata Americano, estaria condenando os russos e se aliando à Ucrânia na guerra que acomete o leste europeu.
A realidade, no entanto, não dá aval à ideia apresentada no parágrafo acima. Ao propor um “clube da paz”, proposta considerada ultra-imperialista pelos grupos supracitados, Lula puxa, na realidade, países que não faziam parte do protagonismo mundial para a mesa de conversa, frente a frente com Biden, Macron e os demais parasitas da política mundial. Tal visão pode ser reiterada, por exemplo, nas falas de Mauro Vieira para a própria imprensa capitalista.
O chanceler brasileiro afirmou, em texto no Estadão, que o Brasil não está chegando com soluções prontas, mas disposto a “ouvir todos os lados”. É fundamental que a realidade seja analisada com base na materialidade dos fatos, não na subjetividade dos desejos profundos de cada um. A posição do governo Lula não é, de forma explícita, uma condenação do imperialismo americano e um apoio irrestrito aos russos – mas nunca se propôs a ser. O que precisa ser visto na frase de Mauro Vieira, no entanto, é que até hoje apenas os norte-americanos, os franceses e os alemães se sentaram na mesa de discussão, tendo palhaços britânicos e fantoches neonazistas israelenses fingindo idoneidade de forma caricata. A sugestão de Lula é tirar da OTAN o monopólio da decisão, colocando países como a China, a Índia e o próprio Brasil nos cargos de protagonismo.
O chanceler falou que “ainda há vários países relevantes” que devem ser ouvidos, em suas próprias palavras, o que compõe uma clara indicação de que não há aparelhamento algum com a visão imperialista de política e mundo. Tanto Vieira, quanto Lula insistem muito na tecla de busca pela paz, de ouvir todos os lados e de chegar em um consenso com ambas as partes conversando. É preciso compreender o cenário político atual para estar ciente da postura progressista, no conceito marxista da palavra, que tal medida apresenta.
Lula, ao propor o diálogo com russos e ucranianos e um acordo em comum com ambas as partes sendo respeitadas, reitera, na prática, o ponto dos russos. Para que tal negociação seja bem sucedida, as demandas de Putin precisariam ser atendidas, pois ao contrário do que relata a imprensa burguesa, a Ucrânia está estrangulada militar e economicamente, junto de toda a Europa, enquanto os russos realizam uma operação militar praticamente humanitária, evitando o máximo de baixas de civis e não fazendo uso de armas nucleares. O cenário catastrófico, relatado pela imprensa, provém de sua própria narrativa sem fundos na realidade.
Relataram que o objetivo de Putin era restabelecer o Império Russo, dominar toda a Ucrânia, explodir Kiev, matar Zelensky, dominar a Polônia, conquistar os territórios em disputa com o Japão… Colocaram em Putin objetivos que ele nunca possuiu. A partir daí fica fácil prosseguir na mentira, pois o governo russo não conseguiu se expandir até o oeste da Ucrânia, não matou Zelensky, não explodiu Kiev e não dominou a Polônia – o fato de nem terem tentado, pois não era e nunca foi o seu objetivo, se torna irrisório para a imprensa capitalista, que possui o monopólio da comunicação e da informação.
A realidade da intervenção russa na guerra na Ucrânia, que completou um ano na última sexta-feira (24), é outra. O objetivo de Putin era a desnazificação e desmilitarização da Ucrânia, além de libertar os povos de etnia russa das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk. É válido destacar, no entanto, que o presidente russo não é uma espécie de santidade que envia seus anjos para libertar povos oprimidos ao longo do globo. No território chamado Donbass, local onde eclodiu a guerra, a população sofreu um genocídio por parte do governo fantoche ucraniano por nove anos, de 2014, quando ocorreu um golpe realizado pela OTAN, que implantou um governo nazista para garantir que o país se aliaria à sua política, até 2022, quando se iniciou a operação militar russa que interveio na guerra – que já durava quase uma década.
Com a realidade em mente, voltamos às palavras do chanceler Mauro Vieira. Ele afirma que ouve diversas críticas de “excesso de protagonismo” brasileiro – o que, verdade seja dita, é uma capitulação homérica quando dita por brasileiros autoproclamados nacionalistas – e que isso não é uma realidade, pois o Lula conversou com 15 presidentes mundiais, nos últimos quarenta dias, e que todos o compreenderam bem e compreenderam a posição brasileira no conflito. Novamente, destaca-se a importância de se ater à materialidade dos fatos, pois Lula se encontrou, além de Biden, com Maduro, da Venezuela, Díaz-Canel, de Cuba, Alberto Fernandez, da Argentina, e diversos outros líderes que não se alinham ao imperialismo – quando não se opõe de forma ferrenha. Se Maduro, que denuncia dioturnamente o boicote americano contra o povo venezuelano, que leva pessoas à fome e até ao óbito, compreende e apoia o posicionamento de Lula, não é um voto irrisório em uma votação ainda mais irrisória na – também irrisória – ONU que mudará o posicionamento brasileiro em relação ao imperialismo.
É preciso compreender que, quando o chanceler afirma que Lula pretende “conclamar ambas partes a cessarem as hostilidades”, significa dar voz ao Putin na hora de negociar e, ao compreendermos que a Rússia está com a maior parte de seus objetivos em dia, tendo libertado boa parte da população do Donbass, obliterado as milícias oficiais nazistas do Regime de Kiev e praticamente extinto as forças militares ucranianas, compreendemos também que, caso Putin seja chamado para o jogo da negociação, a bola estará em seus pés.