Ontem (10 de maio), o STF, na figura de Alexandre de Moraes, determinou ao aplicativo Telegram que excluísse uma mensagem disparada para seus membros, sob pena de tirá-lo do ar por 72 horas. O motivo foi naturalmente o teor do texto, que continha críticas ao PL 2630, as quais, na interpretação do ministro, configuravam “distorção das informações”. Além de retirar a mensagem, o Telegram foi obrigado a disparar outra mensagem, desta vez em sentido contrário.
Quem abrisse o aplicativo ontem encontraria o seguinte aviso: “Por determinação do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a empresa Telegram comunica: A mensagem anterior do Telegram caracterizou FLAGRANTE e ILÍCITA DESINFORMAÇÃO atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder Judiciário, ao Estado de Direito e à Democracia Brasileira, pois, fraudulentamente, distorceu a discussão e os debates sobre a regulação dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada (PL 2630), na tentativa de induzir e instigar os usuários à [sic] coagir os parlamentares”.
“PL” quer dizer “projeto de lei”, isto é, um PL é uma proposta que precisa ser aprovada pelo Congresso para que se torne lei. Mesmo assim, o ministro relator do famigerado inquérito das fake news entendeu que lhe cabia cercear a manifestação da empresa, tachando sua argumentação de “desinformação”. O deputado Orlando Silva, relator do projeto de lei, cuja autoria é de Alessandro Vieira (do Cidadania, braço do PSDB), exaltou-se ao argumentar que o aplicativo estaria abusando “de sua estrutura de serviço de mensagem” e difundindo “mentiras acerca do Parlamento brasileiro”.
O PCdoB, partido de Orlando Silva, representado pelo escritório Warde Advogados (sim, Warde, o dono do IREE), pediu ao STF, no âmbito do inquérito das fake news, que determine ao Telegram o envio de “disparo em massa aos seus usuários, com igual alcance, com mensagem a ser elaborada pela Câmara dos Deputados, à [sic] título de reequilíbrio da paridade de armas no debate público nacional”, segundo matéria publicada pela Folha de São Paulo.
É interessante o argumento da “paridade de armas”, pois a empresa de tecnologia teria a capacidade de fazer chegar seu ponto de vista a milhares de usuários em alguns segundos, o que seria desproporcional ao poder dos defensores do PL (imprensa tradicional, TV, rádio). Quando, no entanto, essa mesma imprensa, em bloco, quis esmagar o PT e dar o golpe que derrubou Dilma Rousseff, ninguém se preocupou em conceder paridade de armas aos que tentassem mostrar o que realmente estava acontecendo.
Ao que tudo indica, a querela entre os órgãos da imprensa burguesa e as big techs é meramente uma questão financeira. Uns e outros querem lucrar com informação; o negócio das big techs atrapalha o negócio da imprensa. Esta apela para o discurso moral e para o seu “profissionalismo”, que seria uma espécie de garantia contra a “bagunça” da internet.
Em sua mensagem original, o Telegram afirma que “esse projeto de lei permite que o governo limite o que pode ser dito online ao forçar os aplicativos a removerem proativamente fatos ou opiniões que ele considera ‘inaceitáveis’ (Embora o Artigo 3 estabeleça alguns princípios para manter a liberdade de expressão e proibir a censura, os artigos subsequentes enfraquecem severamente essas proteções. Especificamente, a partir do Artigo 4, a lei impõe obrigações que facilitam a censura, promovendo práticas de moderação sobre assuntos ambíguos, amplos e às vezes indefinidos)”.
De fato, a imprensa não veicula meios de praticar suicídio, conteúdo pornográfico/ pedófilo, formas de torturar pessoas e animais, além de outras bizarrices típicas da dark web. Todas essas coisas, no entanto, podem ser alcançadas pela legislação que já existe no país, e seria ingênuo acreditar que a urgência da votação desse projeto fosse a necessidade de coibir esse tipo de manifestação.
O que parece mais relevante na posição do Telegram é sua preocupação com o que chamou de “transferência de poderes judiciais aos aplicativos”, coisa que se daria indiretamente, uma vez que as plataformas, não os tribunais, seriam responsáveis por detectar “conteúdos ilegais”, cuja definição é muito vaga. Se recentemente um deputado foi condenado por “crime de transfobia” por fazer uma encenação na tribuna, usando uma peruca feminina e chamando uma pessoa transexual pelo pronome masculino “ele”, o campo de criminalização do discurso é amplo o suficiente para causar preocupação.
Na prática, para evitar a própria criminalização centenas de vezes por dia, inviabilizando o seu negócio, as plataformas passariam a censurar qualquer coisa que pudesse remotamente configurar um desses crimes de “discurso de ódio” ou “preconceito”. Segundo a mensagem original, “o projeto de lei exige que as plataformas monitorem as comunicações e informem as autoridades policiais em caso de suspeita de que um crime tenha ocorrido ou possa ocorrer no futuro”, o que as transforma em um sistema de vigilância.
A imprensa da burguesia tem grande interesse nesse projeto não só porque ganha financeiramente com isso, passando a receber quando seus materiais forem veiculados nas plataformas, como também porque ele enfraquece a internet naquilo que ela tem de mais progressista, que é possibilidade de multiplicar as vozes no debate. A Rede Globo e os demais órgãos de imprensa da burguesia estão ansiosos para matar dois coelhos com uma só cajadada.
Sabemos que as big techs controlam os algoritmos e, dessa forma, também controlam a circulação de informação, mas aumentar o seu poder de censura – a ponto de, paradoxalmente, inviabilizar o seu negócio – parece ser um verdadeiro retrocesso num campo em que precisamos avançar. Por óbvio, não se trata de defender as multinacionais gigantes da tecnologia contra as empresas nacionais, pois não é essa a discussão. Trata-se, isto sim, de defender o direito inalienável de dizer o que se pensa.