Ocorrida entre os dias 28 de abril e 1º de maio, uma competição esportiva chamada Calo 2023 ganhou destaque na imprensa brasileira por um motivo escatológico: estudantes do time de futebol de salão do curso de medicina da Universidade Santo Amaro (Unisa) ficaram nus, como parte de uma provocação ao time feminino de vôlei de uma equipe rival, que perdera a partida. Segundo relatos, os jovens ainda simulavam masturbar-se como parte da celebração grotesca. Os registros do ocorrido, no entanto, desencadearam uma onda de histeria que acometeu até mesmo integrantes do governo federal:
“Romper séculos de uma cultura misógina é uma tarefa constante que exige um olhar atento para todos os tipos de violências de gênero. Atitudes como a dos alunos de Medicina, da Unisa, jamais podem ser normalizadas”, publicou o Ministério das Mulheres em seu perfil oficial no X (antigo Twitter). A pressão identitária culminou na expulsão dos acadêmicos, anunciada pela Unisa no último dia 18, uma medida arbitrária que ignorou questões capitais como a data do ocorrido e fato do evento não ter ocorrido nas dependências da instituição, mas em São Carlos, a mais de 234 quilômetros de distância da capital paulista, onde a Unisa mantém 3 de seus 4 campi (o outro localiza-se em Guarulhos).
Segundo o artigo 233 do Código Penal (“Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público”), o ocorrido no Calo 23 é passível de detenção aos condenados, de três meses a um ano, ou multa. Conforme outro limite legal ao poder de repressão do Estado, o Código de Processo Penal, estabelece em seu artigo 112:
“A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. § 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor. § 2º Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes”.
Os trechos destacados reforçam que graças ao instituto da progressão da pena, condenações inferiores a seis anos de detenção não resultam em privação de liberdade, o que significa que nem há que se considerar cadeia para os estudantes que por ventura forem condenados (com trânsito em julgado, deve-se frisar) pelo supracitado artigo 233 do Código Penal. Não faltou, no entanto, personalidades ditas esquerdistas repetindo os bordões tradicionais do bolsonarismo raiz, como o presidente da Embratur, Marcelo Freixo:
“A reação institucional aos atos obscenos cometidos pelos estudantes de medicina da Unisa, em São Carlos (SP), precisa ser pedagógica. Eles já foram expulsos do curso e um inquérito foi aberto pela Polícia Civil para investigar os atos. É fundamental que respondam judicialmente por essa violência, praticada de forma pública e coletiva, para reafirmar um machismo criminoso”, declarou o ex-parlamentar psolista também no X. Atualmente no PT, Freixo notabilizou-se por defender as temidas Unidades de Polícia Pacificadora, além de ser um tradicional apoiador da repressão fluminense.
Outra psolista notória por seu punitivismo, a deputada federal Sâmia Bonfim (SP) também foi ao X declarar que “o crime de importunação sexual cometido pelos alunos de medicina da UNISA não pode ficar impune. Por isso, acabo de acionar o Ministério Público de São Paulo para que identifique um a um e tome as devidas providências. Abaixo a misoginia e a cultura do estupro!” Sob a máscara da “cultura do estupro”, o que se evidencia de fato é algo que poderia ser classificado como “cultura do fascismo”.
Tivessem as direções da esquerda brasileira mantido sua independência frente ao espírito repressor impulsionado pelo avanço do fascismo, casos escatológicos como o ocorrido em São Carlos seriam tratados como as demais situações envolvendo eventos previstos no Código Penal: abre-se a denúncia por parte dos ofendidos (o que não foi o caso de ninguém presente no ato em si, diga-se de passagem), investiga-se, com base nas investigações, o Ministério Público (MP) decide se abre ou não um processo e finalmente, ouvindo uma eventual acusação apresentada pelo MP e a defesa dos réus, a justiça julga o direito.
Não são, porém, tempos de normalidade, como se vê. Com o imperialismo estimulando uma onda abertamente fascista encoberta pelo véu do identitarismo, a esquerda pequeno-burguesa atua impulsionando ainda mais as tendências fascistas, evidenciando sua submissão política à ditadura global.
O setor mais avançado da esquerda e ligado à classe trabalhadora, deve rejeitar posições reacionárias como “punição pedagógica” e outras medidas de apoio às tendências repressivas do Estado. Os estudantes (seja de Medicina ou do que for) não devem ser expulsos pela instituição de ensino com base no que fazem fora dela, da mesma forma que um trabalhador não pode ser demitido por questões transcendentais ao trabalho em si.
Tampouco devem os acadêmicos serem expostos a qualquer sanção penal que extrapole os limites impostos pela lei. O contrário disso é a barbárie, que se bem interesse aos supostos defensores da “mulher negra”, terá consequências trágicas para as massas trabalhadoras. Negras ou não.