Na última sexta-feira, o Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ publicou uma resolução no Diário Oficial com recomendações em respeito às condições de acesso e permanência de “pessoas travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas transmasculinas e não-binárias – e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais – nos sistemas e instituições de ensino”.
A sigla do órgão em questão já prenunciava uma trajetória tortuosa e confusa – CNLGBTQIA+ – que significa Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queers, Intersexos, Assexuais e Outras. Agora, num momento em que o governo Lula tenta impor uma política externa mais independente do imperialismo – uma briga difícil – e lida com enormes dificuldades para emplacar sua política interna, o órgão aparece para atrapalhar ainda mais o governo nesses embates.
Instituído por decreto presidencial, o órgão está vinculado ao Ministério dos Direito Humanos e da Cidadania, comandado por Silvio “racismo estrutural” Almeida. Enquanto os assassinatos de negros pela polícia seguem sendo uma brutal realidade no país, seu ministério se ocupa em encher mais o saco do cidadão comum, sob o pretexto de “inclusão” e da “diversidade”. Após a extrema-direita babar nas últimas eleições contra o “banheiro unissex”, que seria imposto pela esquerda se Lula ganhasse as eleições, o CNLGBTQIA+ propõe algo que, embora não seja exatamente isso, cria uma confusão que dá munição para a direita. Das duas uma, ou completa falta de noção da realidade e dos problemas que afligem a maioria dos brasileiros ou um ato de sabotagem. Se a extrema-direita estava precisando de alguma pauta para se agarrar diante da perseguição judicial contra Bolsonaro, ganhou um valioso presente.
Na última terça-feira, na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, o deputado federal Filipe Barros (PL-PR) questionou Silvio Almeida sobre a resolução que estabelece recomendações sobre a orientação do uso de banheiros de acordo com a identidade de gênero do aluno. Lendo ofício do ministro para a Advocacia Geral da União, onde ele acusa o deputado de “fake news”, Barros reproduz três argumentos de Almeida, que se tratava de “resolução não vinculante”, que “não se trata de banheiros unissex” e que nem o ministro nem o presidente Lula tiveram participação na elaboração da resolução.
Após acompanhar o debate, persiste a confusão em torno das implicações da resolução do órgão vinculado ao Ministério dos Direito Humanos e da Cidadania. Persistem também as dúvidas em torno da quantidade de problemas que podem decorrer do artigo 5º da tal resolução, que diz que “deve ser garantido o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade e/ou expressão de gênero de cada estudante”.
Ao demonizar o conceito de sexo biológico, a argumentação desse pessoal identitário vira algo difícil de ser decifrado. Os banheiros masculinos e femininos, por exemplo, nunca foram “segregados por gênero” mas por sexo. Ao recomendar que seja garantido o uso de banheiros e vestiários com base na “identidade e/ou expressão de gênero”, o que o CNLGBTQIA+ propõe é que pessoas do sexo masculino que afirmem se identificar como mulheres tenham livre acesso aos banheiros femininos. Esse é o caso que mais vai ocorrer e que é muito fácil prever que vai produzir muita confusão. Se formos nos aventurar em mergulhar fundo na sopa de letrinhas identitária, muitos outros casos problemáticos podem vir a tona.
Basta um convívio mínimo com pessoas comuns, de fora da bolha universitária, para saber que a proposta é muito impopular e gera preocupação até em pessoas que se relacionam bem com pessoas LGBT. Vindo de cima para baixo, mesmo que ainda não apareça como uma determinação institucional, assume um caráter de imposição de costumes. Algo que passa muito longe de qualquer ideia de “democracia”.
Um exemplo muito mais sensato aparece no inciso I do artigo 6º, que sugere “sempre que possível, instalação de banheiros de uso individual, independente de gênero, para além dos já existentes masculinos e femininos nos espaços públicos”. Fosse a intenção principal de fato “minimizar os riscos de violências e/ou discriminações”, bastaria apontar propostas que não interfiram na rotina da maioria da população para supostamente “incluir” uma minoria. Mas o foco parece ser agradar grupos identitários e isso cria um contexto perfeito para a extrema-direita se apresentar como mais normal que a esquerda, deixando ainda as discussões mais importantes para o povo de fora do debate.