Após um hiato de duas semanas, por conta das atividades da 46ª Universidade de Férias do PCO, volto a escrever para este Diário. Volto também àquele tema que se tornou, desde a Copa do Mundo do Catar, objeto regular das minhas colunas: as opiniões do comentarista esportivo Walter Casagrande Jr, ex-Rede Globo e atualmente no golpista portal Uol.
Dou uma olhada nas colunas diárias do ex-jogador na internet, e está tudo lá. Tudo o quê? O conjunto completo das teses identitárias: o ataque à cultura nacional; a apologia das realizações das potências imperialistas; o apelo punitivista, repressivo e autoritário; a demagogia em relação às mulheres, aos índios etc. Casagrande é o típico esquerdista identitário.
O ataque aos jogadores brasileiros, à seleção brasileira, a Neymar em especial, é já uma constante dos seus artigos. Mesmo quando elogia o Brasil, isso só serve na verdade para criticá-lo. Casagrande elogia a seleção brasileira sub-20, que atualmente disputa o Campeonato Sul-Americano sub-20, na Colômbia. O elogio ao escrete sub-20, no entanto, é apenas um trampolim para o ataque ao escrete principal. “Está surgindo uma molecada muito boa de bola, que precisa ser trabalhada para não cair na soberba, na arrogância e prepotência, defeitos que acompanham os nossos jogadores desde 2006”, escreveu ele. Tenhamos em mente: quando alguns desses jogadores, que hoje estão no sub-20, passarem a emprestar seu futebol para a seleção principal e começarem a amedrontar as seleções europeias, podemos ter certeza que eles também serão chamados de soberbos, arrogantes e prepotentes.
Coisa típica dos identitários, Casagrande pratica igualmente o famigerado “viralatismo”. Elogios e mais elogios ao glorioso futebol europeu. “A Premier League oferece o que o futebol tem de melhor”. A coluna consiste naquela boa e velha rasgação de seda aos treinadores europeus, ao jogador europeu (ao gigante e desengonçado norueguês Haaland, sobretudo), à organização europeia. Repete o mito de que as “punições ficaram severas para os torcedores violentos”, quando, de fato, o que ocorreu foi a expulsão da classe operária e dos setores populares dos estádios, num processo que ocorreu como parte da avalanche neoliberal dos anos de 1980 e 1990, da qual o futebol, obviamente, não escapou.
E é claro que Casagrande não poderia deixar passar o caso Daniel Alves. Ao comentar esse tema polêmico, vemos como a opinião de Casagrande, e dos identitários em geral, é reacionária. Na argumentação, prevalece sem atenuações o tom punitivo, repressivo. É cadeia nele!! “Não se pode mais passar pano para ninguém que comete o crime de estupro, seja ele quem for”, decreta o comentarista na coluna intitulada “Código do Silêncio”, do dia 25 de janeiro.
Ali, Casagrande explica sua visão sobre a legislação penal, o sistema penitenciário e o mar de gente que é jogado nesse verdadeiro inferno na Terra:
“É claro que todos os presidiários que cumprem a sua pena, ou parte dela, que a nossa frouxa legislação coloca em liberdade, merecem e devem ter a possibilidade de uma ressocialização, arrumando um trabalho. Mas é absurdo e inaceitável que volte a ser jogador de futebol e dê entrevista na televisão, tirando fotos e ficando em evidência”.
Para ele, a legislação penal brasileira é “frouxa”. Ou seja: é preciso endurecer!! Precisamos de leis mais duras, maiores penas, maior rigor, e assim por diante. Qualquer semelhança com as posições tradicionais da direita e da extrema direita não é mera coincidência.
Além disso, Casagrande até acha que o preso deve ter a possibilidade da ressocialização e arrumar um emprego. Mas calma lá… Jogador de futebol nem pensar ele pode voltar a ser!! Dar entrevista? Tirar fotos? Ficar em evidência? Nem pensar! A ressocialização de Casagrande não passa da página 2. Uma vez preso e julgado, o indivíduo está condenado para o resto da vista. Perdeu para sempre, se não todos, ao menos parte dos seus direitos. Nem precisamos mencionar que essa é a posição tradicional da direita e da extrema direita sobre o tema.
A defesa dos direitos democráticos está longe de fazer parte do repertório dos identitários. Ao contrário, tais direitos constituem um obstáculo à política identitária. Repressão, polícia, lei penal, castigo, cadeias e presídios ― eis tudo o que o identitarismo tem a oferecer. A política e a ideologia identitárias conduzem necessariamente ao fortalecimento do aparato repressivo do Estado, um Estado que serve a um classe social determinada ― a burguesia ― e que consiste no maior e mais poderoso instrumento de opressão contra as massas exploradas do povo.
A defesa dos direitos democráticos, é evidente, só pode ser feita pelas forças sociais e políticas que dependem deles para a consecução dos seus objetivos. Somente quem se propõe a transformar a sociedade, pela via revolucionária, no sentido do socialismo/comunismo sabe o quão importante é ter a garantia da liberdade de expressão, de organização, de reunião, do direito de greve, do devido processo legal e da garantia da ampla defesa, da inviolabilidade do domicílio, e por aí vai. Como Casagrande e os identitários não possuem tal preocupação, eles por consequência não veem a menor necessidade de defender os direitos democráticos contra os avassaladores impulsos repressivos e autoritários do Estado capitalista.
Não é por outro motivo que, no caso Daniel Alves, ao invés de espumar pela boca pedindo prisão, prisão e prisão para o jogador brasileiro, o que uma esquerda minimamente democrática (nem falamos aqui de uma esquerda revolucionária e marxista) deveria fazer é lutar para que todos os direitos e garantias democráticos do jogador, assim como de qualquer pessoa, sejam respeitados e combater o clima e atmosfera de caça às bruxas que não terá outro resultado senão o de fortalecer o mecanismo repressivo da principal arma de que a classe dominante tem à sua disposição.
*A coluna não expressa necessariamente a opinião desse jornal