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Henrique Áreas de Araujo

Militante do PCO, é membro do Comitê Central do partido. É coordenador do GARI (Grupo por Uma Arte Revolucionária e Independente) e vocalista da banda Revolução Permanente. Formado em Política pela Unicamp, participou do movimento estudantil. É trabalhador demitido político dos Correios e foi diretor da Fentect (Federação Nacional dos Trabalhadores dos Correios)

Música Popular Brasileira

Carlos Lyra e a canção de protesto no Brasil

Da primeira geração da Bossa Nova e um dos criadores do CPC da UNE, compositor e violonista morreu no último dia 16

Nesse domingo (16), veio a notícia da morte do compositor Carlos Lyra, da primeira geração da Bossa Nova e um dos artistas responsáveis por dar as principais características desse movimento musical que, à parte todas as controvérsias, tornou-se mundialmente reconhecido.

Pode-se falar muito sobre as refinadas melodias criadas pelo compositor, pode-se falar muito sobre os clássicos da música brasileira compostos por ele, pode-se falar de sua vida de compositor, grande violonista e artista consagrado.

Toda a contribuição de Carlos Lyra para a música brasileira certamente é muito maior do que as poucas notas que os jornais da burguesia dedicaram após a sua morte. Na realidade, passou-se com Lyra o que se passa com grandes artistas brasileiros. A despeito de sua importância, a imprensa só lembra deles, com muita sorte, após a morte. As fofocas sobre a vida fútil de pseudo-artistas gringos ou gringo-brasileiros parecem bem mais importantes do que os nomes que fizeram parte efetivamente da música brasileira.

Mas voltemos à importância de Lyra. Toda a contribuição artística e musical inegável dele pode e deve ser citada e analisada. Mas haverá um fato na vida desse artista que pouco ou nenhum destaque será dado pela imprensa capitalista.

Carlos Lyra não foi apenas um dos criadores da Bossa Nova, foi também um dissidente dela. Em 1960, o compositor rompe com aquela imagem despolitizada, em grande medida até mesmo superficial, dos temas da Basso Nova e passa a fazer canções sociais.

Lyra é uma espécie de representante de uma ala esquerda da Bossa Nova. Não seria exagero dizer que, graças a ele, a chamada MPB torna-se o movimento musical de protesto que seria a partir dos anos 60.

A canção de protesto inunda o mundo nos anos 60. O Brasil, com a MPB, está na vanguarda desse movimento que se alastra pelos demais países latino-americanos, como Chile, Argentina e Cuba, chega até os Estados Unidos e a Europa.

Em 1961, escreve, com Chico de Assis, a “Canção do subdesenvolvido”, uma crítica à dominação imperialista no Brasil. Essa música é considerada, por alguns, como um precursor da canção de protesto na MPB.

É também em 1961 que Lyra, junto com dramaturgo Oduvaldo Viana Filho, o vianinha, o poeta Ferreira Gullar e o cineasta Leon Hirszman, cria o CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE.

A proposta do CPC era a de aproximar a intelectualidade aos artistas populares. É graças ao CPC que compositores populares, hoje muito conhecidos, como Cartola, Nelson Cavaquinho, João do Vale, Zé Keti, são resgatados para o grande público, principalmente para a juventude mobilizada, naqueles anos que precederam o golpe de Estado de 1964. O CPC, inclusive, tem vida curta, sendo destruído pelo golpe. Mesmo com esse período curto de existência, o CPC foi responsável direta ou indiretamente pelas melhores criações artísticas no Brasil naquele momento.

Nessa época, Carlos Lyra é filiado ao Partido Comunista Brasileiro, como seus outros parceiros de CPC.

Com Vinícius de Moraes, que também rompeu com a primeira fase da Bossa Nova, buscando ligação com uma música mais popular, escreveu o Hino da UNE.

União Nacional dos Estudantes

Mocidade brasileira

Nosso hino é nossa bandeira

De pé a jovem guarda

A classe estudantil

Sempre na vanguarda

Trabalha pelo Brasil

A nossa mensagem de coragem

É que traz um canto de esperança

Num Brasil em paz

A UNE reúne futuro e tradição

A UNE, a UNE, a UNE é união

A UNE, a UNE, a UNE somos nós

A UNE, a UNE, a UNE é nossa voz

Também em parceria com Vinícius de Moraes, escreve “Maria Moita”, com os versos finais “Pra por pra trabalhar/Gente que nunca trabalhou”, a canção tem uma bela letra com uma crítica social muito bem colocada, mostrando bem a radicalização daquela vertente da Bossa Nova.

Nasci lá na Bahia

De Mucama com feitor

Meu pai dormia em cama

Minha mãe no pisador

Meu pai só dizia assim, venha cá

Minha mãe dizia sim, sem falar

Mulher que fala muito perde logo seu amor

Deus fez primeiro o homem

A mulher nasceu depois

Por isso é que a mulher

Trabalha sempre pelos dois

Homem acaba de chegar, tá com fome

A mulher tem que olhar pelo homem

E é deitada, em pé, mulher tem é que trabalhar

O rico acorda tarde, já começa resmungar

O pobre acorda cedo, já começa trabalhar

Vou pedir ao meu Babalorixá

Pra fazer uma oração pra Xangô

Pra por pra trabalhar

Gente que nunca trabalhou

Uma curiosidade sobre essa música é que o rifa inicial, foi muito possivelmente plagiado pela banda de rock britânica Deep Purple, na famosíssima música “Smoke on the Water”. Isso significa que o rife mais famoso da história do rock foi copiado da música brasileira.

Entre os grandes parceiros de Lyra, além de Vinícius, com quem compôs clássicos como “Minha namorada” e muitos outros, também estão Ronaldo Bôscoli e Geraldo Vandré. Lyra foi quem incentivou Vandré a compor, tornando parceiros em “Quem Quiser Encontrar Amor” e “Aruanda”.

Esse breve relato mostra a importância de Carlos Lyra na música popular brasileira. Não uma importância meramente artística. Empurrado pela radicalização política do início da década de 60, Lyra abandonou o conforto de quem já era um artista dotado de certa fama para produzir uma música nova, engajada, mais do que isso, colocou sua arte a serviço da luta popular.

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