“Estou quase a ponto de dizer que o Brics acabou”. Foi o que disse o economista Jim O’Neill, ex-funcionário da Goldman-Sachs, uma das grandes agências do capital financeiro internacional. Jim O’Neill é considerado o responsável por criar o acrônimo “BRIC”, que serviria de inspiração para o nome do bloco que hoje se chama BRICS e acabou de realizar o seu 15º encontro de cúpula.
A não ser ter a ideia de juntar a primeira letra de cada país e formar um acrônimo que soa semelhante a uma palavra da língua inglesa – brick, que significa tijolo -, Jim O’Neill não tem importância alguma para os BRICS. O que chama a atenção, no entanto, é o fato de que o Estado de S.Paulo se valeu dessa distante relação para dar voz a alguém disposto a criticar a cúpula organizada pelos governos do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul.
E qual seria o motivo para o economista ficar tão desgostoso com a 15ª Cúpula dos BRICS? Ele não faz esforço para esconder:
“Estou um pouco atordoado. Não tenho certeza sobre o racional que foi usado. Este ano, escrevi um trabalho bem detalhado, quase acadêmico, com sugestões de que essa inclusão deveria ser feita com critérios bastante transparentes. Se olharmos para os novos países, não é óbvio o que eles têm efetivamente, seja de maneira individual ou para adicionar ao grupo. E, mais importante: por que esses países e não outros? No contexto da América Latina: por que a Argentina e não o México? Por que a Etiópia e não a Nigéria? Particularmente por causa do Irã, parece que o simbolismo do Brics está ficando mais e mais sem sentido. Porque obviamente olhando o status do Irã com relação ao Ocidente é uma situação bastante problemática. Para mim, está muito, mas muito distante mesmo, dos princípios econômicos que eu pensei, 20 anos atrás”.
A questão é clara. O que incomoda Jim O’Neill é que os países que foram incorporados têm uma posição muito hostil aos Estados Unidos e à chamada “ordem mundial”. É por isso que o economista se mostrou tão “surpreso” com o caso do Irã. No caso da África, também: o economista ignora completamente a adesão do Egito, um dos países mais importantes de todo o Oriente Médio, e usa a Etiópia de espantalho para criticar o fato de que a Nigéria não ingressou no bloco. A escolha da Nigéria não é por acaso: o país se tornou uma espécie de base militar francesa para a intervenção em países vizinhos.
O que fica claro no pavor de Jim O’Neill, portanto, é que a 15ª Cúpula dos BRICS mostrou uma decisão de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul de se organizarem com uma relativa independência do imperialismo.
Ao contrário do que alegam os mais eufóricos, a cúpula dos BRICS não foi, propriamente, um encontro para formar um grande bloco político de oposição aberta aos Estados Unidos e à União Europeia. O próprio presidente Lula, antes do início do evento, falou que não visava contrapor o BRICS ao G7. Também merece destaque que a declaração final dos BRICS têm um caráter muito conservador e, em alguns pontos, até mesmo reacionário. É o caso, por exemplo, da parte em que condena o “terrorismo”, o que, na prática, se opõe a luta de vários grupos nacionalistas, como o Hamas.
O documento “estende uma mão” para o imperialismo. Isto é, procura chegar a um acordo com as grandes potências, uma reforma das instituições políticas, como a ONU. No entanto, mesmo essas reformas são inaceitáveis para o imperialismo. A crise da dominação dos países desenvolvidos sobre os países oprimidos é tão grande que se os Estados Unidos e a União Europeia abrirem espaço para qualquer tipo de reforma, a ordem mundial pode simplesmente desmoronar. Basta ver o que está acontecendo na África: três golpes militares nacionalistas tornaram praticamente inviável a dominação francesa no continente.
O próprio fato de que as propostas são moderadas, no entanto, também ajudam a escancarar o tamanho da crise do imperialismo. Se uma cúpula em que os países não saíram defendendo abertamente a Rússia na guerra contra a Ucrânia, nem qualquer outra posição mais radical, já recebeu tanto repúdio dos funcionários do imperialismo, é porque a ordem mundial não tolera mais absolutamente nada. Está a um passo de ruir.
Outra questão que apareceu na Cúpula dos BRICS e merece nota é o ingresso da Argentina. Não porque seria um país economicamente injustificável, como faz crer Jim O’Neill, mas sim por sua instabilidade política. Ao que tudo indica, o próximo presidente argentino será uma figura ultra neoliberal, Javeir Milei, que já disse que tiraria o país dos BRICS. O que isso pode indicar é que os países-membro dos BRICS consideram que podem conseguir reverter a situação na Argentina. Isto é, que a Rússia e a China, principalmente por intermédio do Brasil, poderia participar ativamente da luta política no país sul-americano, acelerando o conflito entre o imperialismo e os países atrasados na América Latina.