Valério Arcary, membro da corrente interna do PSOL, Resistência, publicou coluna no Brasil de Fato retomando o debate sobre se a Rússia é ou não é um país imperialista. E Arcar reafirma o que já havia dito em outras ocasiões: “a Rússia é imperialista”.
Para justificar a sua posição, Arcary usa argumentos que fogem da lógica e fogem também da tradição do que os marxistas explicaram sobre o imperialismo.
Segundo Arcary, a Rússia teria herdado da URSS, que ele acredita ter sido a segunda potência do mundo, a opressão sobre outros países. Essa seria uma característica imperialista da Rússia:
“Estende sua influência desde a Bielorrússia, na Europa Oriental, até à Ásia Central: Cazaquistão, Turcomenistão, Tadjiquistão, Quirguízia, Uzbequistão.”
Esse argumento não prova absolutamente nada. Primeiro porque esses países faziam parte da URSS, nesse sentido, a influência russa sobre eles é quase como uma influência no mesmo país. É como se um estado brasileiro qualquer tivesse ficado independente do Brasil por um motivo qualquer e o Brasil interviesse ali. Seria uma intervenção dentro do próprio território, muito diferente da ação que os países imperialistas exercem sobre o mundo inteiro, não apenas sobre seus vizinhos. Segundo essa lógica de Arcary, mais países deveriam ser acrescentados na lista de nações imperialistas: o Iraque, que invadiu o Kwait, a Sérvia, que oprime os países da antiga Iugoslávia, apenas para citar alguns exemplos. Colocado assim, o argumento de Arcary fica exposto ao ridículo. Nesse caso, portanto, ter influência ou mesmo exercer determinada opressão e dominação política sobre outros países não transforma por si só nenhuma nação em imperialista.
Outro argumento usado por Arcary como prova do imperialismo russo é a exportação de capitais para outros países:
“A presença de monopólios, a liderança do capital financeiro, o papel da exportação de capitais, a competição por espaço de suas corporações no mercado mundial, e a disputa de áreas de influência estão todos presentes. Grandes empresas russas como a MMC Norilsk Nickel PJSC e Lukoil PJSC lançaram IPO’s em mercados financeiros como Nova York, Londres e Frankfurt e arrecadaram, ao longo de mais de muitos anos, dezenas de bilhões de dólares, até serem atingidas pelas sanções impostas após o início da guerra na Ucrânia.”
Arcary vê o problema do imperialismo como uma fórmula congelada na sua cabeça. Mas exportar capitalista e até mesmo exercer um monopólio em determinado ramo econômico não é suficiente para transformar um país em imperialista. Para dominar a economia de outro país não basta exportar, é preciso exportar e dominar. Por exemplo, os chineses exportam muitos capitais para o Brasil, mas alguém terá dúvida de que a China não tem nenhum domínio político no País e que esse domínio, pelo contrário, é exercido pelos EUA? Ninguém em sã consciência discordaria disso. Talvez nem mesmo Valério Arcary, mas seu raciocínio deveria levar a essa conclusão.
Diferentemente do que ele quer dar a entender, embora não explique com todas as letras para fugir da conclusão absurda, os russos não mandam em nada, nem mesmo naquilo que eles têm de mais forte, que é o petróleo. Eles são apenas fornecedores, mas quem realmente domina o mercado de combustíveis é a Shell. A Gazprom não tem um monopólio, ela vende para as empresas capitalistas que compram e controlam o mercado no mundo todo.
É ațe curioso notar as empresas citadas por Arcary como “prova do imperialismo russo”, nenhuma delas são minimamente conhecidas no Brasil. Onde está o grande monopólio imperialista dessas empresas? Sua disputa por áreas de influência ocorre, mas elas estão em eterna desvantagem. Sua presença em Nova Iorque, Londres e Frankfurt pode ocorrer, mas daí a serem dominantes no mercado desses países vai um abismo.
E o próprio Arcary, ao constatar a realidade da guerra na Ucrânia mostra que sua tese do imperialismo russo não tem fundamento. A presença dessas empresas foi extinta com as sanções impostas contra a Rússia.
E esse é um ponto importante. A Rússia é um país que oprimido pelo imperialismo, teve que se defender da agressão da OTAN, que usa a Ucrânia como bucha de canhão, e agora sofre com as sanções do imperialismo. Uma ação típica do imperialismo contra países atrasados.
Arcary levanta o desenvolvimento militar da Rússia. É fato que o País está entre os mais desenvolvidos nesse ponto, mas é preciso dizer algumas coisas sobre isso. Primeiro que se trata de uma peculiaridade que faz parte da própria história da Rússia. Sua presença militar sempre foi grande como uma reação à sua posição frágil diante das poderosas nações europeias. Segundo que esse desenvolvimento, embora seja exportado, diz respeito em primeiro lugar com a própria defesa do país, mais do que um monopólio de um determinado setor militar que a Rússia controla no mundo. Terceiro, apenas ter uma grande presença militar não resolve o problema do imperialismo.
Valerio Arcary compara a Rússia atual com a Alemanha das guerras mundiais. Segundo ele, os “imperialismos dominantes são os que, sob liderança de Washington, dirigem a OTAN. A Rússia é um imperialismo excluído do centro de poder mundial. Mas, assim como a Alemanha nas guerras mundiais do século XX, não merece apoio da esquerda mundial.”
A Alemanha, porém, já fazia parte do clube dos países imperialistas. A Guerra foi causada pela necessidade do imperialismo alemão de recompor as forças coloniais, que estavam distribuídas de maneira desigual entre os países imperialistas. Os capitalistas alemães sabiam que dominavam menos do que a quantidade de dinheiro permitia, era preciso dar vazão ao desenvolvimento capitalista no país.
Na Rússia não há nada parecido com isso. O que a Rússia faz é uma guerra defensiva diante da ofensiva de todos os países imperialistas. A Rússia não faz parte do centro de tomada de decisões mundial.
A conclusão de Arcary é justamente o perigo de sua análise. A esquerda não deveria apoiar a Rússia porque se trata de uma guerra “inter-imperialista”. Assim, a esquerda acaba tomando uma posição pró-imperialista.
Arcary quer usar Lênin para justificar seus argumentos, mas esquece o fundamental. Lênin mostrou com inúmeros dados econômicos que o clube dos países imperialistas estava fechado, que não mais se poderia adentrá-lo. E a Rússia nunca foi imperialista para Lênin, pelo contrário, toda a formulação marxista sobre a economia, a política, a teoria da revolução na Rússia, elaborada por Lênin, Trótski e outros são teorias que levam em conta o fato de que a Rússia é um país atrasado, ou seja, um país oprimido pelo imperialismo ainda que tenha alcançado certo desenvolvimento capitalista.