Reportagem assinada por Ann Garrison no portal de jornalismo investigativo The Grayzone esmiúça a fragilidade das informações utilizadas pela Anistia Internacional em relatório onde acusa soldados eritreus de crimes de guerra, como estupros. As ações teriam acontecido durante a guerra civil na Etiópia que teve início no final de 2020. As forças armadas da Eritreia apoiaram o governo etíope contra a Frente de Libertação do Povo Tigré (FLTP), em região fronteiriça.
Chamou a atenção da jornalista o fato de que a base de dados usada pela Anistia Internacional consistiu de 49 entrevistas por telefone com anônimos e imagens de satélite de baixíssima qualidade geradas pelo Google Earth. A ONG com recursos abundantes nem se deu ao trabalho de enviar um observador para colher informações no local. A reportagem destaca que os voos para a região haviam sido normalizados pelo menos cinco meses antes das supostas entrevistas telefônicas, ou seja, não era uma tarefa complicada para a ONG conseguir informações mais confiáveis no local. A própria repórter alega ter voado na região, sem encontrar obstáculos.
Os testemunhos colhidos acusam soldados da Eritreia de manter mulheres da região do Tigré como “escravas sexuais”, que teriam sido abusadas constantemente durante meses. Já as imagens obtidas na ferramenta Google Earth foram usadas como “provas” de que estariam sendo realizadas execuções extrajudiciais. Provas que teriam inclusive sido analisadas no “Laboratório de Evidências” da Anistia Internacional. Como nenhum dos dados no relatório são passíveis de verificação independente, seus leitores só têm como “garantia” a “autoridade moral” da ONG.
Mas o disfarce de “bons samaritanos” das ONGs imperialistas não resiste a um olhar mais atento. Como a própria matéria em The Grayzone lembra, a Anistia Internacional publicou um relatório bombástico em 1990, baseado nas alegações de uma garota kuwaitiana que acusou as tropas iraquianas de “invadir hospitais na sua cidade natal, arrancar bebês de incubadoras, jogar os bebês no chão e então roubar as incubadoras”. O depoimento dado diante do Congresso dos Estados Unidos foi citado por George H. W. Bush na televisão ao justificar o início da primeira Guerra do Golfo. A Anistia Internacional teve que se retratar após a revelação de que a garota era sobrinha do embaixador do Kuwait nos Estados Unidos, mas a guerra já estava em andamento.
Garrison destaca alguns fatos atuais que explicam a inclinação da ONG para condenar as forças eritreias. Em primeiro lugar, cita que a Eritreia é um dentre apenas duas nações africanas que recusaram colaborar com a AFRICOM, o comando militar norte-americano na África. Cita também que o pequeno país recusou contrair empréstimos com o FMI e o Banco Mundial, tentando uma estratégia de desenvolvimento independente. Por fim, a Eritreia foi o único país da África a votar contra a resolução da ONU que condenava a invasão russa à Ucrânia, inclusive demandando que a resolução fosse retirada.
A matéria lembra que a Guerra Civil teve início com um ataque do TPLF a uma base militar da Etiópia na região do Tigré. Destaca o fato de que o TPLF é aliado de longa data dos Estados Unidos e que suas ações passam longe do radar humanitário da Anistia Internacional. Cerca de 24 horas após o ataque, a hashtag #TigrayGenocide apareceu no Twitter e a imprensa imperialista elegeu os tigré como as vítimas a partir da perspectiva “ocidental”.
Relatórios como o atualmente apresentados pela Anistia Internacional servem para justificar, por exemplo, a renovação da Ordem Executiva 14046 do governo Biden que permite a manutenção das sanções econômicas sobre Etiópia e Eritreia. Sanções que punem as populações de ambos os países, que já são pobres o suficiente sem esse estrangulamento adicional. Garisson conclui ironizando que “estranhamente, a Anistia Internacional não tem nada a dizer sobre essas violações dos direitos humanos”.