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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Liderada pelo Brasil

América do Sul tenta romper 500 anos de periferia

A partir de convocação do governo brasileiro, no último dia 30, os chefes de Estado dos países da América do Sul, se reuniram no Palácio Itamaraty, em Brasília

O Brasil é um dos poucos países latino-americanos com características de território, de população, de recursos naturais, de nível de desenvolvimento, de industrialização e de tecnologia que teria condições de construir uma sociedade verdadeiramente democrática, desenvolvida, próspera e justa, com alto grau de autonomia. Que teria condições de participar em pé de igualdade com as chamadas grandes potências no cenário internacional, cada vez mais arbitrário, violento e concentrador (Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, em entrevista concedida em 1995. O embaixador é autor, dentre outros, do livro “500 Anos de Periferia”)

A partir de convocação do governo brasileiro, no último dia 30, os chefes de Estado dos países da América do Sul, se reuniram no Palácio Itamaraty, em Brasília. Na pauta da reunião, temas como energia, infraestrutura, meio ambiente, combate ao crime organizado e outros. A ideia do encontro foi reforçar a unidade da América Latina e do Caribe, através da integração dos 12 países que compõem a América do Sul. A partir do final do século XX foram encaminhadas um conjunto de ações pelos países do subcontinente, como a Comunidade Andina de Nações, o Tratado de Cooperação Amazônica, o MERCOSUL, a UNASUL e a Comunidade Sul-Americana de Nações (CASA). 

A UNASUL (União de Nações Sul-americanas) é um bloco de integração regional, criado em 2008, inicialmente pelos doze países da América do Sul, com o objetivo central de estimular parcerias para reforçar relações comerciais, culturais, políticas, sociais etc. A UNASUL, assim como os demais mecanismos de integração, não apenas permitiu a cooperação em várias áreas fundamentais, como saúde, infraestrutura e defesa, mas também possibilitou ganhos comerciais significativos. Em 2011 a área de livre-comércio entre os países da região, gerou uma corrente de comércio (ou seja, importações mais exportações) que chegou a 124 bilhões de dólares (recorde).

A maior integração regional, na primeira década dos anos 2000 diversificou um pouco mais o comércio intrarregional e possibilitou a comercialização de produtos de maior valor agregado, o que era, evidentemente, um dos objetivos visados pelo processo de integração. Os países da região, regra geral, tem sua pauta de exportações muito concentrada em commodities (que são produtos básicos de baixo valor agregado), o que é uma receita infalível para continuarem subdesenvolvidos. País desenvolvido não baseia sua pauta de exportações em produtos de baixo valor agregado. 

A maior integração sul-americana – que depois foi interrompida pelos golpes de Estado – permitiu também a redução da pobreza e da desigualdade na região. Inclusive a redução da fome, segundo dados da FAO. A UNASUL chegou a realizar reuniões de cúpula com os países árabes e africanos, visando estabelecer relações com nações de outros continentes também subdesenvolvidos, como a África.  

Como é conhecido, esses importantes, mas discretos avanços na América Latina, nos primeiros anos do século XXI foram interrompidos pelos golpes de Estado em toda a Região, ciclo iniciado pelo golpe em Honduras, em 2009. Esse ciclo varreu a América Latina, praticamente toda, com a coordenação dos EUA, usando estratégia semelhante, adaptada, claro, às diferentes realidades de cada país. No encontro, não ouvi ou li, nenhuma referência dos chefes de Estado aos processos golpistas no recente período tenebroso que vive a América Latina. O que se pode compreender, inclusive porque alguns participantes têm posições abertamente de direita, portanto apoiaram os golpes. 

O presidente do Brasil lamentou que os avanços da articulação sul-americana foram interrompidos nos últimos anos, mas atribuindo o fato ao governo de Jair Bolsonaro. Fez isso, suponho, por razões diplomáticas, já que o objetivo é construir politicamente a rearticulação sul-americana. Porém, como sabemos, Bolsonaro apenas agravou uma realidade trazida pelo golpe de 2016, e que visou, dentre outros objetivos, interromper qualquer possibilidade de integração latino-americana. A eleição de Bolsonaro em 2018 é decorrência direta do golpe de 2016, que foi protagonizado pela direita neoliberal e não a extrema-direita liderada por Bolsonaro. 

É muito importante que a América do Sul, como foi afirmado na reunião, tenha voltado a ser o centro de gravidade da atuação diplomática brasileira. A postura do governo do Brasil é a de aposta na integração, destacando as vantagens econômicas e comerciais do processo, mas com uma perspectiva de caráter bem mais amplo, que considera os aspectos humano, histórico, cultural, social e militar. Do ponto de vista cultural, por exemplo, sem querer ser presunçoso, é difícil imaginar que outra região do mundo tenha mais riqueza e diversificação, em suas mais distintas manifestações, indo da música à literatura. 

Essa iniciativa de rearticulação dos países da América do Sul parece que não ficará apenas na reunião do dia 30 de maio, mas prevê vários desdobramentos, o que é essencial. Está prevista, por exemplo, em agosto, uma reunião com os oito países que partilham o território da Amazônia (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), com o objetivo de discutir uma posição consensual, entre esses países, sobre a política a ser adotada para a floresta. É uma ação extremamente oportuna, já que a Amazônia está no centro do debate sobre clima e também no centro da cobiça dos países imperialistas, em função da imensidão de riquezas que a região abriga. O documento que for produzido nessa reunião será entregue pelas autoridades brasileiras aos 193 Estados-membros, no debate geral da Assembleia Geral da ONU, que ocorrerá em setembro deste ano.

O encontro em Brasília foi realizado em um cenário de grande crise econômica e política, e de ruptura da ordem política e econômica internacional, que possui caráter histórico incomum. De forma metafórica, atravessamos um momento, como poucos, em que a história não está caminhando, e sim correndo. Os EUA, por ser a maior potência imperialista, está no centro desses acontecimentos. A integração latino-americana, puxada pelo Brasil, é tudo que os EUA não querem. Por isso a iniciativa do presidente brasileiro, nesse processo, o coloca em rota de colisão com os interesses do império. 

Essa independência e coragem do Lula, já se manifestou algumas vezes neste ano. Por exemplo, Lula foi o primeiro a defender o fim da guerra da Ucrânia (antes da China, até), desfecho este que, obviamente, não interessa aos EUA, que quer com a guerra enfraquecer política e economicamente a Rússia. Além do fato, é claro, de estar ganhando rios de dinheiro com a venda de armas e de gás para a Europa. Com o fim do fornecimento de gás e petróleo russo para a Europa, com o início da guerra da Ucrânia, os EUA se tornaram o principal país a fornecer gás natural liquefeito (GNL), para o velho continente. Lula, há alguns meses, em pleno solo chinês, defendeu que o dólar seja substituído pelas moedas nacionais dos países do Brics, nas suas transações comerciais. Repetiu essa posição na reunião com os vizinhos sul-americanos. Para os EUA isso é pior do que qualquer outra coisa, porque a posse de uma moeda nacional, de curso mundial é uma das bases de sua dominação. 

Outra razão para a iniciativa dos governos sul-americanos entrar também em colisão com os interesses dos EUA, está relacionada ao fato da região ser muito rica em recursos naturais de todo o tipo, que são fundamentais para a dominação econômica do Império. Como se sabe os EUA consideram a América Latina, uma espécie de quintal político. Mas têm também a América Latina como reserva de riquezas e matérias-primas. Além de ser um mercado consumidor imenso (quase 450 milhões de habitantes), o subcontinente possui o maior e mais diversificado potencial energético do planeta: imensas reservas de petróleo e gás, hidroeletricidade, biocombustíveis, energia nuclear, eólica e solar.A América do Sul abriga, ademais, alguns dos maiores produtores de alimentos do mundo (destaque para Brasil e a Argentina) e detentores de algumas das reservas minerais mais estratégicas do planeta, como o nióbio, lítio e cobalto, fundamentais para a indústria e para o desenvolvimento tecnológico.

A ação puxada por Lula, é muito importante, especialmente nesta quadra complexa da conjuntura internacional. O presidente do Brasil é um latino-americanista forjado pela experiência (não pela academia), que desenvolveu a percepção da importância da integração por sua sensibilidade política. Como conhecedor também de macroeconomia prática, sabe que a integração, além de fundamental do ponto de vista cultural, político, social e militar, tem também vantagens econômicas, simplesmente definitivas. 

Um acordo de cooperação com a Europa, poderia gerar uma corrente de comércio de 8 ou 9 bilhões de dólares, a pau e corda. Em 2011, somente a corrente de comércio do Brasil com a Argentina atingiu 40 bilhões de dólares (recorde). Ou seja, é muito mais vantajoso fazer acordos com países mais próximos geograficamente, e que tem uma posição recíproca de ganha-ganha nesse tipo de acordo. Diferentemente da posição dos países imperialistas, que só querem resolver os seus problemas.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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