No final de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu instituir uma taxa de 9,2% sobre as exportações de petróleo bruto. A medida, que terá duração de quatro meses, passou a valer a partir do dia 1° de março e procura compensar a falta de arrecadação do governo, afetada por medida de Bolsonaro que cancelou o imposto federal sobre a gasolina e o etanol.
Entretanto, o principal efeito da decisão de Lula, na prática, é a valorização da indústria petrolífera nacional contra as indústrias internacionais. Estas se beneficiam da chamada Lei Kandir, que permite que o petróleo brasileiro seja, basicamente, entregue ao imperialismo.
Promulgada em 1996, a Lei Kandir, batizada em nome de seu criador, Antônio Kandir, ministro neoliberal do Planejamento do governo FHC, isenta os exportadores do pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS). Nesse sentido, não afeta somente o petróleo, mas também o agronegócio, por exemplo, que não paga impostos quando vende sua produção ao exterior.
“O imposto não incide sobre: […] operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços”, diz a redação original da lei, que pode ser acessada por este link.
A lei em questão acarreta um impacto gigantesco sobre a economia. Afinal, vale muito mais a pena ao empresário – que tem como preocupação número um o seu próprio lucro – exportar a sua produção que vendê-la ao mercado interno brasileiro. Ao mesmo tempo, o estatuto impede que os estados arrecadem qualquer quantia sobre a exportação caso determinado produtor resolva vender a sua mercadoria ao exterior.
Segundo dados apresentados pela Comissão Mista Especial da Lei Kandir, em 2016, os estados brasileiros registraram perda líquida de R$25 bilhões na arrecadação em decorrência da lei. Ademais, entre 1997 e 2016, as perdas líquidas somadas atingiram R$268,9 bilhões de reais. Os estados mais prejudicados foram Minas Gerais (R$ 64,6 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 60,7 bilhões), Pará (R$ 35,7 bilhões), Mato Grosso (R$ 30,8 bilhões) e Espírito Santo (R$ 28,3 bilhões).
FHC prometeu aos governos estaduais que a isenção do ICMS seria compensada, algo que jamais aconteceu.
Esses números, porém, só dizem respeito ao perdido em arrecadação. A bancarrota federativa, atualmente, acumula prejuízos não ressarcidos e não compensados de cerca de um trilhão de reais. Sem receitas tributárias suficientes, governos estaduais passaram a tomar emprestado dos bancos, uma das principais origens do endividamento público que, hoje, é responsável por devorar aproximadamente metade do Orçamento Geral da União, controlando, assim, a economia nacional.
Cabe diferenciar o seguinte: a Lei Kandir não isenta a exportação de produtos industrializados do ICMS, mas sim de produtos primários e não industrializados no geral. A legislação, portanto, praticamente estabelece um canal direto para que o imperialismo possa explorar as riquezas do povo brasileiro, algo semelhante à época colonial: as metrópoles – nesse caso, os países imperialistas – têm privilégio sobre a matéria-prima das colonias – os países atrasados dos dias de hoje.
Tudo isso impede que o Brasil se industrialize, uma vez que, em primeiro lugar, o governo não arrecada e, portanto, não pode reverter a sua produção em investimento com infraestrutura, por exemplo. Em segundo lugar, porque a retirada de produtos primários de nosso território impede que estes sejam utilizados na indústria brasileira. Como consequência, torna-se necessária a compra de matéria-prima do exterior, encarecendo e, muitas vezes, simplesmente inviabilizando a produção nacional.
Não é à toa que foi criada por FHC, o presidente que entregou o Brasil de mãos beijadas ao imperialismo. Sua política neoliberal, de desindustrialização nacional em prol do grande capital, acabou com o País, e a Kandir é parte disso. Tanto é que é apoiada pelas multinacionais mineradoras – ironicamente, foi aprovada após a privatização da Cia Vale do Rio Doce, a maior mineradora do mundo, vendida por míseros 3 bilhões de dólares.
Outro efeito absolutamente devastador da Lei Kandir foi o estabelecimento do que ficou conhecido como guerra fiscal. Estados do norte, nordeste e centro-oeste começaram a conceder isenções tributárias diversas para atrair indústrias para as suas fronteiras. Enquanto isso, São Paulo, estado mais industrializado do País, viu suas indústrias se deslocarem para demais estados.
Essa guerra resultou não são no aumento do desemprego nos estados prejudicados pela migração industrial, mas também foi responsável por barrar o desenvolvimento do País, já que novas indústrias não estavam sendo desenvolvidas, mas apenas deslocadas, enquanto os estados mais industrializados perdiam com arrecadação e produção. Estes, por sua vez, tentaram combater os prejuízos e levaram a situação à justiça, que apenas emparelhou a legislação tributária ao passo que, hoje em dia, é uma verdadeira aberração.
No que concerne a Petrobrás, alvo da ação de Lula citada no início do presente artigo, a petrolífera brasileira teve papel essencial durante todo esse processo para mitigar a desindustrialização do País. Algo que, com o golpe de 2016, acabou. Sua nova política de preços, que dolarizou os derivados de petróleo, em conjunto com a privatização de diversas refinarias resultou em um desastre: agora, o Brasil exporta óleo bruto sem cobrar impostos – algo respaldado pela Lei Kandir – e importa produto industrializado.
Fica claro que a decisão de taxar as exportações de óleo em 9% durante 4 meses é positiva, todavia, limitada. Lula deve extinguir a Lei Kandir por completo, colocando abaixo uma das heranças do governo criminoso de FHC que, até hoje, prejudica o País. Algo que pode, diga-se de passagem, ser feito de maneira autônoma pelo Executivo, sem necessidade de uma autorização legislativa.
Extinta a Lei Kandir, o Brasil estará mais perto de recuperar a sua soberania nacional, tirada à força pelo imperialismo. Podendo utilizar, finalmente, a sua própria produção para o desenvolvimento nacional, e não para enriquecer meia dúzia de imperialistas às custas da classe operária brasileira.