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Operação contra Bolsonaro

A teimosia de relegar a luta contra a direita ao STF e à polícia

Setores da esquerda nacional ainda estão na expectativa de que as instituições lhes livrarão do bolsonarismo

“‘Grande dia!’ é assunto mais comentado do Brasil após buscas na casa de Bolsonaro e prisão de seu ajudante”. Assim estampou o Brasil 247, no título de uma de suas matérias sobre a operação da Polícia Federal que resultou na apreensão do celular do ex-presidente Jair Bolsonaro, claramente se somando aos que vibraram com a notícia.

O otimismo com as investigações sobre a conduta do ex-presidente, no entanto, não ficou restrito a um único artigo, mas acabou por se espalhar entre os articulistas. “Bolsonaro é o próximo [a ser preso]”, preconizou o jornalista Alex Solnik, para quem a quarta-feira (3) teria sido “o pior dia da vida de Bolsonaro”.

Embora ainda não tenham emitido uma análise mais detalhada da questão, os articulistas expressam uma mesma ideia: a prisão de Bolsonaro é certa e representará uma grande vitória para a esquerda. Isso fica claro em um texto de Florestan Fernandes Jr,, quando comenta as consequências de a Polícia Federal ter tomado o celular do ex-presidente: “ao que parece, Bolsonaro se preocupou em não deixar vestígios que o comprometessem nas questões mais emblemáticas, mas não se atentou a tudo”.

Toda essa alegria, contudo, não tem cabimento.

Se, de fato, Bolsonaro for preso, no que isso representaria um progresso? E mesmo que ele seja não apenas preso, mas tenha seus direitos políticos suspensos, ficando de fora da disputa eleitoral de 2026, como a esquerda se beneficiaria disso?

Trata-se de um cálculo bastante simplório que não corresponde em nada à realidade. Aqueles que torcem pela prisão de Bolsonaro consideram que, como ele é um inimigo da esquerda, sua prisão será necessariamente positiva, pois estaria, assim, “desfalcando” o “time” adversário. Isto é, Bolsonaro teve 58 milhões de votos nas últimas eleições. Sem ele no páreo, a esquerda teria maior tranquilidade para emplacar o seu candidato.

O erro dessa análise está no fato de que, em primeiro lugar, esse tipo de “combate”, que se dá, fundamentalmente, no uso do Estado para reprimir um indivíduo, não é suficiente para inibir a sua influência sobre o regime político. Pelo contrário: o Estado é visto com desconfiança pela maioria da população, o que faz com que haja uma simpatia natural por aqueles que são reprimidos por ele. Um caso que demonstra isso de maneira cabal é o do próprio Lula: o atual presidente foi investigado de todas as maneiras possíveis, condenado, preso e, mesmo assim, obteve a maior votação da história do País. Talvez, na verdade, tenha sido justamente por isso: a perseguição a Lula radicalizou as massas, tornando o seu apoio popular mais sólido.

No caso de Bolsonaro, ainda que ele formalmente estivesse impedir de “participar do jogo”, seus apoiadores não iriam automaticamente passar a apoiar a esquerda. Pelo contrário: a tendência seria que se radicalizassem ainda mais e identificassem a esquerda como aliada dos que perseguiram Bolsonaro.

Outro aspecto do problema é que os entusiasmados ignoram – ou fingem ignorar – que as investigações sobre Bolsonaro são um combate ao ex-presidente, mas um combate que está sendo organizado não pela esquerda, mas pela direita. É o STF, a Polícia Federal, a própria imprensa capitalista – em resumo, os grandes capitalistas e o Estado burguês, controlado por eles. E como tal, o combate do bolsonarismo pela direita, em primeiro lugar, não elimina o bolsonarismo como fenômeno, conforme vimos acima, e ainda traz o inconveniente de fortalecer a direita, que também é inimiga da esquerda. Mais ainda: a direita, na medida em que é a representante mais fiel dos interesses do imperialismo, é uma força mais perigosa que a própria extrema-direita.

Para aprofundar essa questão, cabe elencar antes a posição do jornalista Joaquim de Carvalho, também do Brasil 247. No artigo “Se Mauro Cid foi preso, por que Bolsonaro, que se beneficiou do crime, continua em liberdade?”, o articulista procura apresentar uma explicação detalhada, do ponto de vista jurídico e investigativo, do porquê Bolsonaro deveria ir preso. Neste sentido, vai mais longe que seus colegas, não apenas se mostrando empolgado, mas dando a entender que, caso a Justiça brasileira opere como deve, o ex-presidente será necessariamente preso.

O problema dessa posição em específico é o de considerar a operação como um caso isolado. É possível que Bolsonaro tenha cometido crimes? Sem dúvidas. É possível que tenha cometido crimes no âmbito das investigações que levaram ao mandado de busca e apreensão em sua casa? Sim. Mas mais importante que o mérito de se há ou não o crime, está o fato de que há um interesse flagrante das instituições – interesse, esse, ilegal, que demole qualquer possibilidade de imparcialidade – em tornar Bolsonaro inelegível ou diminuir a sua influência no regime político. Essa operação, assim, é apenas uma engrenagem de toda uma operação montada para que Bolsonaro seja punido de alguma forma – e quando existe uma operação assim, a punição é praticamente inevitável, tornando a discussão do mérito secundária.

Novamente, podemos citar o caso do presidente Lula para ilustrar a questão. As investigações que apareciam sobre o então ex-presidente não eram raios em céu azul, não eram operações isoladas que mereciam a análise individual do mérito. Eram o resultado do fato de que as instituições estavam tentando a todo custo incriminá-lo – a tal ponto que conseguiram condená-lo, não como resultado da existência de um crime, mas como resultado da insistência das investigações, que forjaram as condições materiais para uma condenação absolutamente ilegal.

Diante disso, analisar se, neste caso, Bolsonaro cometeu um crime ou não é absolutamente secundário. A grande questão é: por que o grande capital está em uma ofensiva contra o ex-presidente? Por que já há 25 investigações contra Bolsonaro?

Ora, porque, como dito antes, a direita “tradicional”, representada por Alexandre de Moraes, pelo PSDB, pela Rede Globo e pelos setores mais pró-imperialistas, querem assumir o controle do regime político, que se encontra ameaçado, por um lado, pela pressão que o movimento operário e popular faz sobre o governo Lula e, por outro, pela relativa independência do bolsonarismo, que tem mostrado força para competir com os interesses do imperialismo na Câmara dos Deputados, por exemplo.

Apoiar essa ofensiva contra o bolsonarismo, portanto, é uma política covarde – uma política de terceirização do combate ao bolsonarismo. Ao fazer isso, a esquerda está se eximindo de lutar com os seus próprios métodos, o que levará à sua nulidade política, uma vez que o que justifica a existência da esquerda é justamente a capacidade de organizar os trabalhadores para lutar, com seus próprios métodos, pelos seus interesses.

Em vez de fazer coro com Alexandre de Moraes e a Polícia Federal na defesa da repressão e na cassação de direitos políticos, a esquerda precisa combater o bolsonarismo denunciando não os seus crimes comuns, mas os seus crimes políticos, esclarecendo a população quem são os seus aliados e os seus inimigos.

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