O mais penoso na crise actual é a vitória do nacionalismo burguês, do chauvinismo, sobre a maioria dos representantes oficiais do socialismo europeu. Não é por acaso que os jornais burgueses de todos os países ora escarnecem deles ora os elogiam com condescendência. E não há tarefa mais importante para quem quiser manter-se socialista do que esclarecer as causas da crise socialista e analisar as tarefas da Internacional.
Há pessoas que receiam reconhecer a verdade de que a crise, ou mais exactamente a falência, da II Internacional é a falência do oportunismo.
Referem, por exemplo, a unanimidade dos socialistas franceses, o reagrupamento pretensamente completo das velhas fracções do socialismo quanto à questão da atitude para com a guerra. Mas essas referências são inexactas.
A defesa da colaboração das classes, a renúncia à ideia da revolução socialista e aos métodos revolucionários de luta, a adaptação ao nacionalismo burguês, o esquecimento do carácter historicamente transitório das fronteiras da nacionalidade ou da pátria, a transformação da legalidade burguesa num fetiche, a recusa do ponto de vista de classe e da luta de classe com o receio de afastar as «amplas massas da população» (leia-se: a pequena burguesia) — tais são indubitavelmente as bases ideológicas do oportunismo. Foi precisamente nesse terreno que cresceu a actual mentalidade chauvinista, patriótica, da maioria dos chefes da II Internacional. O predomínio de facto dos oportunistas entre eles foi há muito assinalado por diversos observadores dos mais diversos campos. A guerra apenas revelou com particular rapidez e agudeza as reais dimensões desse predomínio. Que a extraordinária agudeza da crise tenha provocado uma série de reagrupamentos nas antigas fracções, não é de admirar. Mas de modo geral esses reagrupamentos atingiram apenas indivíduos. As tendências no seio do socialismo mantiveram-se as mesmas de antes.
Entre os socialistas franceses não há completa unanimidade. O próprio Vaillant, que segue a linha chauvinista juntamente com Guesde, Plekhánov, Hervé, etc., foi obrigado a reconhecer que recebe uma série de cartas de socialistas franceses que protestam, indicando que a guerra é uma guerra imperialista, que a burguesia francesa não é menos culpada dela do que as outras. Não devemos esquecer que essas vozes são abafadas não apenas pelo oportunismo triunfante, mas também pela censura militar. Entre os ingleses, o grupo de Hyndman (os sociais-democratas ingleses – «Partido Socialista Britânico»)(N122) descambou completamente para o chauvinismo, tal como a maioria dos dirigentes semiliberais das trade-unions. MacDonald e Keir Hardie, do oportunista «Partido Trabalhista Independente»(N123) rejeitam o chauvinismo. Trata-se verdadeiramente de uma excepção à regra. Mas alguns sociais-democratas revolucionários, que há muito lutam contra Hyndman, saíram agora das fileiras do «Partido Socialista Britânico». Entre os alemães o quadro é claro: os oportunistas venceram, rejubilam, «não cabem em si». O «centro», encabeçado por Kautsky, descambou para o oportunismo e defende-o com sofismas particularmente hipócritas, vulgares e enfatuados. De entre os sociais-democratas revolucionários ouvem-se protestos — de Mehring, Pannekoek, Karl Liebknecht, de uma série de vozes anónimas na Alemanha e na Suíça alemã. Na Itália o agrupamento é igualmente claro: os oportunistas extremos, Bissolati e Cª, são pela «pátria», por Guesde—Vaillant—Plekhánov—Hervé. Os sociais-democratas revolucionários (o «partido socialista»), encabeçados pelo Avanti!, lutam contra o chauvinismo e desmascaram o carácter burguês interesseiro dos apelos à guerra, e têm o apoio da imensa maioria dos operários de vanguarda. Na Rússia os oportunistas extremos do campo dos liquidacionistas já ergueram a sua voz em defesa do chauvinismo em conferências e na imprensa. P. Máslov e E. Smirnov defendem o tsarismo a pretexto de defender a pátria (a Alemanha, vejam lá, ameaça impor-«nos», «pela força da espada», tratados de comércio, enquanto o tsarismo, certamente sem a força da espada, do chicote e da forca, tem asfixiado e asfixia a vida económica, política e nacional de 9/10 da população da Rússia!) e justificam a entrada dos socialistas nos ministérios burgueses reaccionários e a votação hoje a favor dos créditos de guerra e amanhã a favor de novos armamentos!! Plekhánov, disfarçando o seu chauvinismo russo de francofilia, e Aléxinski descambaram para o nacionalismo. Mártov, a julgar pelo Gólos(N124) de Paris, é o que se porta mais decentemente de todo esse bando, combatendo o chauvinismo alemão e francês, insurgindo-se contra o Vorwärts, contra o Sr. Hyndman e contra Máslov, mas receando declarar uma guerra resoluta a todo o oportunismo internacional e ao seu defensor «mais influente», o «centro» da social-democracia alemã. As tentativas de apresentar o voluntariado como a realização de tarefas socialistas (ver a declaração do grupo dos voluntários russos em Paris, dos sociais-democratas e dos sociais-revolucionários, bem como dos sociais-democratas polacos, de Leder e outros) só foram defendidas por Plekhánov. A maioria da secção parisiense do nosso partido(N125) condenou essas tentativas. A posição do CC do nosso partido podem os leitores avaliá-la pelo editorial do presente número(N126). Quanto à história de como surgiu a formulação das concepções do nosso partido, devemos — para evitar mal-entendidos — estabelecer os seguintes factos: um grupo de membros do nosso partido, vencendo as enormes dificuldades do restabelecimento das ligações organizativas cortadas pela guerra, elaborou inicialmente umas «teses» e em 6-8 de Setembro (pelo novo calendário) pô-las a circular entre os camaradas. Posteriormente transmitiu-as, através dos sociais-democratas suíços, a dois membros da conferência italo-suíça de Lugano (27 de Setembro). Só em meados de Outubro se conseguiu restabelecer a ligação e formular o ponto de vista do CC do partido. O editorial deste número é a redacção definitiva das «teses».
Tal é, em resumo, a situação na social-democracia europeia e russa. A falência da Internacional é evidente. A polémica na imprensa entre os socialistas franceses e alemães demonstrou-o definitivamente. Reconheceram-no, não só os sociais-democratas de esquerda (Mehring e o Bremer Bürger-Zeitung) mas também os órgãos moderados suíços (Volksrecht). As tentativas de Kautsky para dissimular esta falência são um subterfúgio cobarde. E esta falência é precisamente a falência do oportunismo, prisioneiro da burguesia.
A posição da burguesia é clara. E não é menos claro que os oportunistas se limitam a repetir cegamente os seus argumentos. Ao que se diz no editorial resta talvez acrescentar a simples referência aos artigos escarnecedores da Neue Zeit segundo os quais o internacionalismo consistiria precisamente no tiroteio dos operários de um país contra os operários de outro em nome da defesa da pátria!
A questão da pátria — responderemos nós aos oportunistas — não pode ser colocada ignorando o carácter histórico concreto da guerra actual. É uma guerra imperialista, isto é, uma guerra da época do capitalismo mais desenvolvido, a época ao fim do capitalismo. A classe operária deve primeiro «constituir-se a si mesma como nação», diz o Manifesto Comunista, indicando em que limites e condições nós reconhecemos a nacionalidade e a pátria, como formas necessárias do sistema burguês e também, por conseguinte, a pátria burguesa. Os oportunistas deturpam esta verdade, transferindo aquilo que é justo relativamente à época do surgimento do capitalismo para a época do fim do capitalismo. E acerca desta época, acerca das tarefas do proletariado na luta pela destruição não do feudalismo mas do capitalismo, o Manifesto Comunista diz clara e definidamente: «os operários não têm pátria». Compreende-se por que razão os oportunistas temem reconhecer esta verdade do socialismo, temem mesmo na maior parte dos casos defrontar-se abertamente com ela. O movimento socialista não pode vencer no velho quadro da pátria. Ele cria formas novas, superiores, da convivência humana, em que as necessidades legítimas e as aspirações progressistas das massas trabalhadoras de qualquer nacionalidade serão, pela primeira vez, satisfeitas em unidade internacional com a abolição das actuais fronteiras nacionais. Às tentativas da burguesia contemporânea de dividir e desunir os operários através das referências hipócritas à «defesa da pátria», os operários conscientes responderão com novas e repetidas tentativas para criar a unidade dos operários das diferentes nações na luta pelo derrubamento da dominação da burguesia de todas as nações.
A burguesia engana as massas, dissimulando a pilhagem imperialista com a velha ideologia da «guerra nacional». O proletariado desmascara esse embuste, proclamando a palavra de ordem de transformação da guerra imperialista em guerra civil. É precisamente essa palavra de ordem que é indicada pelas resoluções de Estugarda e de Basileia(N127), que precisamente previam não a guerra em geral mas exactamente a guerra actual, e que falavam não da «defesa da pátria» mas da «aceleração da queda do capitalismo», da utilização para esse fim da crise suscitada pela guerra, do exemplo da Comuna. A Comuna foi a transformação de uma guerra de povos numa guerra civil.
Essa transformação não é naturalmente fácil e não pode realizar-se «segundo a vontade» de determinados partidos. Mas precisamente essa transformação assenta nas condições objectivas do capitalismo em geral e da época do fim do capitalismo em particular. E é nessa direcção, só nessa direcção, que os socialistas devem desenvolver o seu trabalho. Não votar os créditos de guerra, não tolerar o chauvinismo do «seu» país (e dos países aliados), combater em primeiro lugar o chauvinismo da «sua» burguesia, não se limitar às formas legais de luta quando surgiu uma crise e a própria burguesia anulou a legalidade por ela criada — tal é a linha de trabalho que conduz à guerra civil e que a ela conduzirá num ou noutro momento da conflagração europeia.
A guerra não é uma casualidade, não é um «pecado», como pensam os padres cristãos (que pregam o patriotismo, o humanitarismo e a paz de modo não pior que os oportunistas), mas uma etapa inevitável do capitalismo, uma forma tão legítima da vida capitalista como a paz. A guerra dos nossos dias é uma guerra de povos. Desta verdade não decorre que devemos deixar-nos levar pela corrente «popular» do chauvinismo mas que também em tempo de guerra, também na guerra e nas condições da guerra continuam a existir e se manifestarão as contradições de classe que dilaceram os povos. A recusa do serviço militar, a greve contra a guerra, etc., é simples idiotice, um pobre e cobarde sonho de luta sem armas contra a burguesia armada, um lamento sobre a supressão do capitalismo sem uma guerra civil ou uma série de guerras civis encarniçadas. É dever do socialista a propaganda da luta de classes também no exército; o trabalho visando transformar uma guerra de povos em guerra civil é o único trabalho socialista numa época de confrontação armada imperialista da burguesia de todas as nações. Abaixo os lamentos clericalmente sentimentais e tolos sobre a «paz a todo o custo»! Ergamos a bandeira da guerra civil! O imperialismo põe em jogo o destino da cultura europeia: à presente guerra, se não houver uma série de revoluções vitoriosas, outras guerras se seguirão em breve — a fábula da «última guerra» é uma fábula oca e nociva, uma «mitologia» filistina (segundo a justa expressão do Gólos). A bandeira proletária da guerra civil, se não for hoje será amanhã, se não for durante a presente guerra será depois dela, se não for nesta será numa próxima guerra, reunirá à sua volta não apenas centenas de milhares de operários conscientes mas também milhões de semiproletários e pequenos burgueses hoje enganados pelo chauvinismo, que os horrores da guerra não só assustarão e embrutecerão como também esclarecerão, ensinarão, despertarão, organizarão, temperarão e prepararão para a guerra contra a burguesia do «seu próprio» país e dos países «estrangeiros».
A II Internacional morreu, vencida pelo oportunismo. Abaixo o oportunismo e viva a III Internacional, limpa não apenas dos «trânsfugas» (como deseja o Gólos) mas também do oportunismo.
A II Internacional cumpriu a sua parte do útil trabalho preparatório de organização preliminar das massas proletárias durante a longa época «pacífica» de crudelíssima escravidão capitalista e de rapidíssimo progresso capitalista do último terço do século XIX e do princípio do século XX. À III Internacional caberá a tarefa de organizar as forças do proletariado para a investida revolucionária contra os governos capitalistas, para a guerra civil contra a burguesia de todos os países pelo poder político, pela vitória do socialismo!