Distracionismo?

A Selic e os portadores da doença infantil

Colocar-se contra a luta pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, além de algo negativo, implica sob monopólio da burguesia a discussão dos problemas econômicos do Pa

Um curioso artigo publicado pelo portal Esquerda Marxista critica a “tentativa de levar a classe trabalhadora às ruas para opinar nos negócios da burguesia”, a saber, “pressionar o Copom [Comitê de Política Monetária do Banco Central] a reduzir a Selic [taxa básica de juros, definida pelo Banco Central]” (“A decadência da esquerda que protesta para opinar sobre a taxa Selic”, Pedro Henrique Corrêa, 27/3/2023). “Reivindicações como independência do Banco Central e juros baixos são apenas distrações”, continua o colunista, evidenciando grande insensibilidade em relação às graves dificuldades acarretadas pela política de juros do BC, que atingem com a máxima dureza as condições de vida dos trabalhadores. Em síntese, a matéria defende que os trabalhadores se alienem de fenômenos que os atingem e não busquem intervir nas lutas reais da vida social, salvo se for para uma medida tão revolucionária quanto “estatizar todos os bancos para criar um banco único do Estado”, o que é uma clássica manifestação da doença infantil do comunismo.

O Brasil está assistindo à queda de braço da burguesia com o governo Lula em torno do tema denunciado como “distração” por Esquerda Marxista, tornando a caracterização de que a questão dos juros é sim fundamental para os inimigos da população. A pressão da burguesia evidencia de maneira muito concreta que a necessária estatização do sistema financeiro dependerá, em grande medida, da conquista do poder político. Enquanto isso não acontece, como ficam os trabalhadores? Afinal, “ter sua mais-valia expropriada enquanto recebe salários miseráveis” pode ser exatamente a situação que uma revolução social pretende alterar, mas salário miserável ainda é melhor do que salário nenhum, o desemprego e a fome, as consequências naturais da política econômica defendida por Campos Neto.

Colocar-se contra a luta pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores, além de algo negativo, implica sob monopólio da burguesia a discussão dos problemas econômicos do País. Um desserviço à educação política das massas. Pior, enquanto a política de juros está intrinsecamente ligada às condições para geração de emprego, crescimento econômico e, portanto, melhorias salariais, tal política implica em deixar a burguesia decidir sobre temas que interessam aos trabalhadores.

Além disso, como atestado pela história, os trabalhadores aprendem através das experiências práticas, sendo as lutas econômicas uma parte importante do amadurecimento político do proletariado até a tomada do poder. Não foi, por exemplo, o interesse em liquidar a repressiva Ditadura Militar no Brasil que mobilizou os trabalhadores a partir do final dos anos 1980, mas uma luta econômica (a reposição de 11% dos salários dos metalúrgicos do ABC, demanda da greve de 1978) que desencadeou as greves operárias, fundamentais para o fim do regime.

Alguém poderia argumentar que a conquista dos 11% seria infrutífera e que logo os trabalhadores perderiam a reposição pelos diversos mecanismos de expropriação à disposição da burguesia (demissões, carestia etc.), sendo necessária uma luta pela expropriação das montadoras. Isso é verdade, se pensarmos no , já no “Manifesto Comunista”, Karl Marx lembra que “o que a burguesia dá com a mão esquerda, toma com a direita”. Seria acertado, porém, colocar-se contra a demanda dos raquíticos 11% de reajuste salarial pelos metalúrgicos sob essa argumentação? Obviamente não.

Essa luta econômica foi o estopim para toda uma década de convulsões sociais, nas quais o Brasil viu nascer um dos maiores partidos de esquerda do mundo (o PT), a mais importante organização operária brasileira, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), e também o MST, ainda hoje a principal organização de luta camponesa do País. Três das maiores forças do proletariado brasileiro, oriundos de uma demanda muito menos audaciosa do que a estatização dos monopólios industriais imperialistas, mas que permitiram aos trabalhadores experimentar a luta política na prática e através dela, se organizarem para o fim desejado, que é justamente a expropriação do capital industrial do imperialismo na nação.

Forçar uma mudança na política de juros do BC não permite diretamente a realização da revolução social desejada por um marxista, mas permite colocar em movimento a força que fará essa revolução acontecer. E esse movimento, como atestado pelo exemplo histórico dos trabalhadores brasileiros e de muitos outros países, é fundamental para as transformações verdadeiramente profundas.

Finalmente, um partido trotskista teria na memória a clássica formulação de Trótski para a política defendida pelo Esquerda Marxista, de ignorar a importância de conquistas menores para a classe trabalhadora. Diz o revolucionário em seu texto “O Programa de Transição”:

“É necessário ajudar as massas, no processo de suas lutas cotidianas a encontrar a ponte entre suas reivindicações atuais e o programa da revolução socialista. Esta ponte deve consistir em um sistema de REIVINDICAÇÕES TRANSITÓRIAS que parta das atuais condições e consciência de largas camadas da classe operária e conduza, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado.”

A falta de compreensão dessa ponte entre as reivindicações transitórias e a conquista do poder pelo proletariado fica flagrante na matéria do órgão esquerdista.

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