Na série de artigos que escrevi ultimamente sobre George Soros e a “benemerência colorida” era exatamente sobre essa perspectiva que eu me debruçava. Muitos de nós, tão estamos fortemente aprisionados na perspectiva capitalista, que sequer percebemos as armadilhas do realismo capitalista para a captura de consciências. Por isso eu vi com um certo horror à passividade com que grupos de assistência ao parto saudavam a intromissão da “Open Society” – uma organização internacional com tentáculos em todo o planeta e gerenciada pelo bilionário Soros – nas nossas organizações, e a justificativa dada era de que “bem, não há como combater a perversidade desse sistema; assim, nada mais nos resta a não ser jogar a toalha, mas pelo menos vamos nos aproveitar um pouquinho destes valores para mitigar os efeitos devastadores do capitalismo na cultura, nos povos, nos trabalhadores e nas minorias”. Neste momento testemunhamos a busca por auxiliar as vítimas do capitalismo usando os próprios recursos dos capitalistas, enquanto continuamos a reforçar seus pressupostos.
Não acredito na possibilidade de avançar em campos tão sensíveis como a assistência à saúde – em especial à assitência à mulher – sem uma ruptura com a lógica subjacente ao sistema capitalista, onde a saúde está vinculada ao lucro e ao incentivo das intervenções. Um sistema que lucra com a piora da qualidade de vida dos clientes/cidadãos tem uma estrutura perversa, que não pode perdurar. Aceitar que os grandes capitalistas financiem ONGs que atuem no Brasil é aceitar que influenciem na forma como essas questões são abordadas pela população. Esta interferência é deletéria e ameaça a soberania de qualquer país.
Como seria possível deixar que o capitalismo curasse as feridas que ele mesmo produz pela adoção de uma sociedade dividida em classes? De acordo com Fisher:
“… o realismo capitalista conquistou de tal modo o pensamento público que a ideia de anticapitalismo não mais atua como a antítese do capitalismo. Em vez disso, é implantado como um meio de reforçar o capitalismo. Isso é feito por meio da mídia que visa fornecer um meio seguro de consumir ideias anticapitalistas sem realmente desafiar o sistema. A falta de alternativas coerentes, conforme apresentadas através das lentes do realismo capitalista, leva muitos movimentos anticapitalistas a deixarem de visar o fim do capitalismo, mas em vez disso mitigar seus piores efeitos, muitas vezes por meio de atividades individuais baseadas no consumo.”
É fundamental entender que o capitalismo é um sistema que está fadado a falhar, pois não é possível crescimento infinito em uma realidade finita, e a exploração de uma classe sobre a grande maioria da população é moralmente inaceitável. Os modelos de benemerência criados por bilionários, como tentativa de mitigar o sofrimento que o sistema (que os beneficia) impõe, apenas atrasa a adoção de uma mudança profunda na estrutura social. As maquiagens na assistência à saúde da mulher, ao parto e nascimento e em todas as áreas da Medicina, não vão solucionar os problemas nevrálgicos e profundos dessa sociedade, mesmo que pontualmente possam trazer benefícios para indivíduos “agraciados” por esta ajuda. Este é o clássico “mudar os rótulos para que a estrutura se mantenha intocada”.