Vi recentemente em minhas redes sociais um pequeno trecho da abertura do último evento de tecnologia organizado pela Microsoft, o Microsoft Ignite, ocorrido no início do mês. A pessoa que compartilhava o corte da palestra de abertura do evento destacava: “esse é o capitalismo woke”. O adendo ao vídeo imediatamente chamou a minha atenção – certamente mais do que as manchetes das reportagens que cobriram o evento que, por mim, passaram desapercebidas. Talvez seja porque eu cultive um certo prazer masoquista em ouvir declarações cínicas de porta-vozes da burguesia imperialista.
“Primeiramente, nós gostaríamos de reconhecer que as terras onde o campus da Microsoft se situa era tradicionalmente ocupadas pelos Sammamish, os Suwamish, os Snoqualmie, os Suquamish, os Muckeshoot, os Snohomish, os Tulalip e outros povos salish desde tempos imemoriáveis. Pessoas que ainda estão aqui e continuam a honrar e trazer à luz sua herança”, disse a anfitriã do evento. Allison Weins, após listar exaustivamente os povos indígenas que foram massacrados pelo avanço norte-americano em direção à costa oeste do continente, se apresentou como uma mulher branca-asiática com cabelos castanhos.
Após essa longa descrição que nada tem a ver com o conteúdo do evento, Weins passou a palavra para o outro anfitrião da transmissão, Seth Juarez, que foi mais breve que sua colega, mas ainda se apresentou de forma peculiar, como um “homem alto e hispânico”. Ambos descreveram também as roupas que estavam usando e, após um pouco de pesquisa na internet, descobri que a performance esquisita tinha como propósito a inclusão de pessoas com dificuldades visuais (espero estar atualizado no que diz respeito à etiqueta identitária) que estivessem assistindo ao evento. Imagino que elas, como o resto do público, não estavam acompanhando a transmissão para saber dos atributos físicos dos apresentadores, mas sim para ouvir sobre tecnologia.
A referência aos povos indígenas ficou solta no ar. A Microsoft, naturalmente, não vai devolver sua propriedade à população nativa que, se dois séculos atrás sofreu com o brutal ataque de uma civilização muito mais avançada que a sua, agora está provavelmente entre os setores mais oprimidos economicamente na sociedade norte-americana. Na verdade, a abertura soou tão artificial que recebeu críticas até mesmo dos caçadores de estátuas nos EUA. Parece que o teatro dos robôs corporativos da Microsoft fez a ficha cair na cabeça daqueles que acham que toda a opressão social reside no passado distante e não na atualidade, na figura de um monopólio nefasto avaliado em quase US$2,5 trilhões na bolsa de valores. Mas talvez eu esteja sendo otimista.
Já há algum tempo, a Microsoft tenta se apresentar como uma empresa que “valoriza a diversidade”. O homem que assumiu o comando da corporação quando Bill Gates se afastou para se dedicar à “filantropia” é Satya Nadella, um indiano. “Para mim e para todos na Microsoft, nosso foco em nossa cultura, nossa diversidade, nossa inclusão, em particular, na experiência diária do nosso pessoal é super importante; é uma grande prioridade”, declarou Nadella em entrevista deste ano.
Essa cobertura de diversidade e o reconhecimento inócuo de tragédias ocorridas em “tempos imemoriáveis” serve apenas para proteger uma empresa que ficou conhecida no mercado por sua estratégia de “adotar, estender e extinguir”. Para crescer, a Microsoft destruiu competidores usando sua posição monopolista para atacar padrões abertos que permitiam a interoperabilidade entre vários softwares. Com o padrão destruído, os competidores eram forçados para fora do mercado e as ferramentas proprietárias da Microsoft se tornavam o padrão.
Esse capitalismo woke não é exclusivo da Microsoft, assim como não é seu comportamento predatório, típico de todos os monopólios de tecnologia. A Amazon, que originalmente era apenas uma livraria online, usa a receita de seu serviço de computação em nuvem para destruir a competição no mercado editorial. A Apple força seus usuários a comprarem cada vez mais produtos da marca e dificulta a vida daqueles que querem migrar para outros dispositivos. Todas elas lançam mão de apresentações performáticas em defesa das minorias, dos crimes do passado, apenas para esconder a opressão monstruosa que causam no presente não apenas aos consumidores e usuários de seus serviços, mas a todos os trabalhadores que atuam em sua cadeira produtiva em todo o globo.
São monopólios trilionários que sugam toda a riqueza de setores produtivos da economia para si. Além disso, trabalham em conjunto com as agências de segurança dos estados imperialistas para vigiar e punir a população em escala global de tal forma que nem o escritor de ficção científica mais criativo poderia imaginar.
Artigo publicado, originalmente, em 21 de novembro de 2021