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Victor Assis da Silva

Folclore brasileiro

A lenda da urna sem cabeça

Diz-se que, num país tropical, uma caixinha mágica fabricada nos Estados Unidos e operada pelos ministros do TSE é tão neutra quanto papel higiênico Neve

Um dos aspectos mais interessantes da riquíssima cultura brasileira é a capacidade de seu povo produzir uma quantidade imensa de lendas. O moleque travesso de uma perna só que sai por aí com o seu cachimbo, o menino de pés invertidos, o boto que sai das águas à noite para engravidar as ribeirinhas, entre tantas outras personagens, constituem aquilo que é conhecido como o folclore brasileiro.

Há uma lenda, no entanto, que nunca foi vista nos livros infantis, nem no mais detalhado almanaque sobre a cultura nacional. Até mesmo o mais erudito dos eruditos jamais foi capaz, seja por desmerecer a importância desta lenda, seja por não compreender a sua complexidade, de analisar a inacreditável urna sem cabeça.

A equipe deste Diário, após um trabalho incansável de pesquisa de campo, se colocou diante dessa tarefa. Depois de participarmos de várias cirandas, escutarmos muito discurso de deputado falastrão e assistirmos às aulas dos professores terraplanistas da esquerda pequeno-burguesa, chegamos enfim a um compilado monstruoso de todas as histórias envolvendo essa personagem.

Segundo contam os adoradores da seita da Santa Democracia, a urna sem cabeça seria uma caixinha mágica, um pouco maior que uma caixa de sapatos, que seria mais poderosa que a burguesia inteira junta! Seria, portanto, uma espécie de pokebola da esquerda pequeno-burguesa, que bastaria chacoalhar que dela sairia um nobre guardião do bem, da justiça e da ética.

Pois segundo o curioso mito da urna sem cabeça, a urna eletrônica, que é o dispositivo que decide quem vai ocupar os cargos mais importantes do País, não teria uma cabeça por trás. Seria algo, portanto, divino, independente da vontade humana. Que os Estados Unidos tenham construído a pokebola da esquerda, não tem importância — mesmo sendo esse o país campeão da espionagem. Que as urnas eletrônicas fiquem sob o resguardo de vigaristas como Roberto Barroso e Luís Fux, também não tem importância — mesmo que tenham fraudado as eleições de 2018 abertamente. No país em que tudo é fraudado — a Mega-Sena é fraudada, o presidente é fraudado, o doutorado do ministro do STF é fraudado, o inglês de Sérgio Moro é fraudado, o Campeonato Brasileiro é fraudado e todos os impostos são fraudados —, a única coisa que não seria fraudada seria — por que não? — a santa urna sem cabeça. Cega como a Justiça para os crimes do PSDB, surda como a imprensa diante da Vaza Jato, muda como Ciro Gomes nas eleições de 2018, a urna sem cabeça é um robô que transcende as classes sociais.

Artigo publicado, originalmente, em 05 de agosto de 2021.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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