Um dos temas que mais tem me incomodado no último período é o Projeto de Lei (PL) 2.630 e a questão da censura. Seja pela adesão massiva da esquerda pequeno-burguesa no meio universitário de onde tiro meu sustento, ou pela quantidade absurda de pessoas com quem tenho alguma intimidade reproduzindo essa campanha.
Histeria coletiva
Como toda campanha que o imperialismo faz, a atuação campanha de limitação da liberdade de expressão tornou-se uma verdadeira histeria coletiva na pequena-burguesia. Esse não é um fenômeno isolado, tivemos antes a campanha do politicamente correto, a continuação com identitarismo e agora a “limitação” da liberdade de expressão, censura prévia.
Além de serem campanhas da burguesia ligada ao imperialismo, todas essas iniciativas têm diversos pontos em comum: origem, financiamento, forma de propagação e finalidades. Foram nas últimas décadas instrumentos utilizados nas revoluções coloridas.
Origens
No ano de 2016, Donald Trump foi eleito presidente dos EUA à revelia do setor principal do imperialismo norte-americano e dos seus grandes meios de comunicação. Neste momento ficou claro para a burguesia a necessidade de dominar essa forma de comunicação mais democrática que abriu-se com a internet.
A imprensa burguesa intensificou a sua campanha contra as mídias sociais, e iniciou-se todo um processo de censura desse meio de comunicação. Como todos os casos anteriores, a necessidade dos principais setores do imperialismo acarretou toda uma campanha mundo afora.
As universidades
Um ponto básico que a pequena-burguesia metafísica não compreende é que toda organização e suas ideologias surge ou se mantém por um interesse, uma necessidade material. Assim como os Talibãs obtiveram o apoio da população ao lutar contra o imperialismo em seu país, essas correntes crescem sob interesses imperialista.
As ideologias do politicamente correto, identitarismo, entre outras se desenvolveram diante da necessidade do imperialismo. Essas ideologias, em resumo tautologias, tomaram essa dimensão graças à estreita relação econômica dos acadêmicos com fundos imperialistas.
Já presenciei pessoas próximas defendendo barbaridades como o eterno retorno apenas para garantirem o recebimento de bolsas. Isso no Brasil; nos EUA, essa relação é mais degenerada.
Para atender aos interesses daqueles que lhes financiam ou por pura limitação cultural, vemos acadêmicos, supostos intelectuais defendendo escolásticas como o “Paradoxo da tolerância”. Os líderes religiosos têm a honestidade de não mentir sobre pregação.
O mito da imparcialidade
Um ponto elementar sobre a comunicação é que ela pressupõe um interesse de ao menos um das partes. Não existe comunicação sem intenção consciente ou não, é o interesse que move as sociedades e seus homens.
Antes a burguesia era mais aberta nesse sentido. Se, para a monarquia, era um direito divino explorar o servo, para a burguesia, a exploração de obra sob a pensão do capital também o era. Esse cenário mudou com o crescimento da organização operária, principalmente com o episódio da tomada de poder na Comuna de Paris e o Estado Operário da União Soviética.
Neste novo cenário, com as conquistas operárias para a humanidade, a burguesia teve que adequar sua ideologia para facilitar a manutenção do domínio. Nesta altura se solidificam dois mitos, o da imprensa imparcial e/ou objetiva.
Esses dois mitos são extremamente danosos porque escondem o verdadeiro caráter partidário da imprensa. Assim a burguesia segue com sua imprensa, enquanto a classe operária e o restante dos explorados enfrentam uma resistência enorme para se organizar.
Os extremos
Um dos mantras que a pequena-burguesia repete incessantemente, para minha infelicidade, é que a liberdade na internet impulsiona a extrema-direita. Essa parte, em especial, demonstra o que ocorre quando se retira a luta de classes como critério principal da análise política.
Nessa conclusão há uma inversão, a radicalidade nas redes sociais deixa de ser um sintoma da polaridade na sociedade para ser a causa. Para eles, não é a diferença extrema na distribuição de riqueza entre as classes sociais que causa a polarização do discurso, mas o contrário.
Um outro aspecto dessa conclusão seria que as redes sociais financiaram e propagandeiam o fascismo. Ou seja, não é que o fascismo é uma política da burguesia contra a classe operária, mas que a classe operária em sua ignorância cairia no canto do fascismo e nutrisse a serpente que vai lhe destruir.
A liberdade das redes sociais
Um fenômeno raro, mas possível, é quando os interesses de um setor do grande capital coincide, mesmo que temporariamente, com os interesses da maioria da população. Isso ocorreu com as redes sociais como o YouTube.
Em determinado período, as redes perceberam que dando liberdade de conteúdo e promovendo acesso das produções com maior interação, independente do conteúdo, havia um crescimento no consumo deste.
Ou seja, essas redes perceberam que deixando as pessoas consumirem o que lhe interessava, independentemente de aprovação da rede ou consumidor, permitia um crescimento do lucro. As pessoas preferem consumir coisas dos seus interesses naquele momento, ter a liberdade para isso as agrada.
Fim do centro
A todo momento, se falar no crescimento da extrema-direita, lembra-se da vitória de Trump e Bolsonaro, embora o segundo tenha sido um golpe. Mas se esquecem do crescimento da esquerda mais radical anti sistema.
A realidade é que em todo o mundo os políticos tradicionais, geralmente intimamente ligados ao imperialismo, estão desmoronando. Esse setor do centro, representante usual do Estado, está perdendo seus espaços.
É um fenômeno observado em todo o mundo: os políticos, e até os regimes políticos impostos pelo imperialismo estão em declínio. Aqueles que se colocam mais abertamente contra esses regimes, que parecem mais anti sistemas, a extrema-direita e esquerda operária, são justamente os que mais lucram nessa situação.
A atualidade nas redes
Na última década, como resultado de uma campanha intensa da burguesia que estava ameaçada na sua capacidade de controlar e moldar a opinião pública, houve mudanças nas políticas internas das empresas do setor.
Grosso modo, mesmo perdendo um pouco do crescimento anterior com maior liberdade, essas empresas passaram a praticar censura, às vezes até prévia, de conteúdo. Criando inclusive as chamadas borderline, onde mesmo que o conteúdo não se enquadre objetivamente no vetado, por proximidade têm sua disponibilidade limitada, chegando até à censura prévia.
Fora isso, essas empresas passaram a ter conteúdos de referência sobre determinados assuntos. Esses conteúdos de referência são em geral produtos da imprensa tradicional, com conotação de direita e extrema-direita.
Uma manobra clara no sentido de acabar com a liberdade na internet controlando as redes sociais e ao mesmo tempo ressuscitar a moralmente falida imprensa tradicional.
Conclusão
O PL 2630 é o aprofundamento de uma política intensamente anti popular, transformando em lei, já posta em prática com as mudanças de políticas nas Big Techs nos últimos anos. Os danos à capacidade da população de comunicar seriam imensos, sendo a esquerda quem mais sofreria com isso.
Por uma série de conflitos internos da burguesia e a resistência imposta por parte da esquerda, esse PL 2630 está temporariamente fora de pauta. Mas é preciso ter claro, qualquer legislação favorável à censura é extremamente danosa a toda a sociedade, dificultando principalmente a já difícil, nesse momento, organização operária.
É preciso fortalecer a imprensa partidária de esquerda e não limitar o debate, essa é a única saída para uma saída progressista da situação política que nos encontramos.