Matéria “As Lágrimas de Bolsonaro”, publicada neste dia 6, no Brasil 247, assinada por Marcia Tiburi, revela uma tendência da esquerda, de desumanizar seus adversários políticos, ou pelo menos alguns. No olho de seu texto se lê “Não havia lágrimas no rosto de quem vivia na farra de jet ski enquanto o povo passava fome”.
Ninguém tem dúvida de que Bolsonaro seja uma pessoa execrável. O modo como trata as pessoas, sua demagogia, sua defesa da tortura etc, compõem um quadro bastante negativo. No entanto, a política não pode se ater a esse tipo de características.
Na política brasileira passaram pessoas muito mais nefastas que Bolsonaro e que, no entanto, sabiam comer de garfo e faca. Um bom exemplo é Fernando Henrique Cardoso, o FHC, considerado o príncipe dos sociólogos – ou sociólogo dos príncipes, para alguns –, professor universitário, fluente no francês, foi muitas vezes mais nefasto para o povo brasileiro do que Bolsonaro.
FHC destruiu pelo menos 30% da indústria brasileira, seu processo de entrega das empresas estatais rendeu um livro chamado A Privataria Tucana, que descreve o que talvez seja o maior roubo de todos os tempos.
É difícil de calcular quantas pessoas foram para a miséria, passaram fome, morreram por falta de assistência médica, por conta da ação desse senhor que não é tratado com desprezo. Antes o contrário, é muito bem recebido nos círculos intelectuais. Se as joias de Bolsonaro são inexplicáveis, as fazendas, apartamentos no exterior de FHC são mais inexplicáveis ainda, mas não rendem nenhuma investigação policial.
Desumanização e cancelamento
Tiburi afirma que “Para quem tem empatia, ver uma pessoa chorando, independentemente do motivo, é fonte de tristeza. Pessoas empáticas sentem o sofrimento dos outros. Mas há pessoas que não tem empatia ou compaixão”.
Sua adjetivação segue: “Narcisistas perversos, contudo, podem encenar a tristeza que não sentem, caso seja necessário, ou podem se sentir realmente tristes quando são ameaçados no lugar especial que consideravam ser seu por direito natural, afinal, todo narcisista se acha o máximo, acha que é melhor que os outros simplesmente por existir”.
Notamos que seu esforço é psicanalisar e desumanizar, pintar um quandro horrendo de um verdadeiro bicho-papão, por isso segue dizendo que os narcisistas, burros ou inteligentes, têm todos a mesma ‘estrutura’, “São falsos, hipócritas, autoritários, mimetizadores, invejosos, egoístas, mentirosos e agressivos, preguiçosos e manipuladores, mas amam o poder que lhes permite estar no centro das atenções”.
Para nos opormos a Bolsonaro, não precisamos de nada disso, o que importa é o quanto ele prejudicou a classe trabalhadora, é isso que temos de considerar. E, voltamos a insistir, do ponto de vista do resultado, do efeito, provocou muito menos estragos que um FHC, por exemplo.
O que une FHC e Bolsonaro é que aquele esteve por trás do golpe de Dilma Rousseff, ajudou a planejar e conduzir o golpe que colocou Temer e Bolsonaro no poder. O que só acrescenta novos elementos na lista de crimes praticadas por Cardoso contra o povo brasileiro. Quantas lágrimas terá ele chorado pelos brasileiros? Provavelmente nenhuma, já que nos considera vagabundos.
Preconceito?
Para a esquerda bem-pensante, não importa o quanto uma pessoa seja nefasta, mas se ela fala cuspindo, se tem o dente torto, o cabelo oleoso, ou se escreve “excessão”. Não haverá um preconceito de classe camuflado na aversão a Bolsonaro? Enquanto a maioria dos políticos burgueses comam pastel ou tomem um pingado em copo americano apenas em período eleitoral, Bolsonaro desempenha esse papel o ano todo.
Outro erro da esquerda pequeno-burguesa é usar essa caracterização de pessoa grosseira a seus eleitores. O resultado disso é que, como se tem seguido a tal cultura do cancelamento, é não dar o devido combate político ao bolsonarismo.
Os eleitores de Bolsonaro são simplesmente postos de lado, canceladas, não se procura saber o porquê de trabalhadores estarem apoiando a extrema-direita. Seria preciso desfazer essa confusão política, trazer essas pessoas novamente para esquerda. Abandoná-las é fortalecer o bolsonarismo.
Como não se faz o combate político, a pequena burguesia fica rezando para o que o Judiciário faça o que ela não quer fazer: acabar com o bolsonarismo, colocando Bolsonaro na cadeia.
A má notícia é que não vai adiantar. Não são as instituições do Estado burguês que vão acabar com o bolsonarismo, pois o Bolsonaro é apenas a expressão da verdadeira face da burguesia. O máximo que pode acontecer é que o substituam por outro frequente a ópera e não palite os dentes em público.
Marcia Tiburi cobra que Bolsonaro chorou apenas ao ser perseguido, mas não chorou pela falta de leitos, pelos mortos pela Covid, pelos índios, pelo feminicídio. Agora, perguntamos: Temer, FHC, Collor, etc., qual deles terá chorado pelo mal que fizeram?
Os trabalhadores têm que reconhecer seus inimigos e combatê-los de acordo com seus interesses de classe. Ficar tentando fazer psicanálise deste ou daquele indivíduo não levará a nada além da paralisia.