Neste último domingo (9), a esquerda pequeno-burguesa foi presenteada com mais um pretexto para requerer da burguesia o aprofundamento do regime de censura que hoje vige no Brasil.
Em ato realizado na Esplanada dos Ministérios, o deputado federal Eduardo Bolsonaro comparou professores a traficantes, dizendo que “Não tem diferença de um professor doutrinador para um traficante de drogas que tenta sequestrar os nossos filhos para o mundo do crime. Talvez até o professor doutrinador seja ainda pior porque ele vai causar discórdia dentro da sua casa, enxergando opressão em todo o tipo de relação”.
Logo no dia seguinte, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou em seu twitter ter determinado “à Polícia Federal que faça análise dos discursos proferidos neste domingo em ato armamentista, realizado em Brasília. Objetivo é identificar indícios de eventuais crimes, notadamente incitações ou apologias a atos criminosos”.
Guilherme Boulos, prestador de serviços do IREE (ONG vinculada à CIA), anunciou que seu partido, o PSOL, irá entrar com uma representação no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados.
Sâmia Bonfim, também psolista, disse que acionaria a Procuradoria Geral da República (PGR), pois, segundo ela, a fala de Bolsonaro teria configurado crime.
O PT também acionou a PGR, segundo informação do deputado Zeca Dirceu.
O caráter repressivo do Estado burguês brasileiro, no sentido do cerceamento à liberdade de expressão, chegou a tal ponto que virou crime discursar em ato público. Não importa se nenhuma violência física foi cometida contra alguém. Falar o que desagrada à burguesia e ao imperialismo virou crime.
A cada dia que passa o direito à liberdade de expressão e manifestação do pensamento vai sendo retalhado. Chegou-se a um ponto que esse direito praticamente não existe mais.
Tudo bem, é verdade a fala de Eduardo Bolsonaro é escatológica, como tipicamente são as declarações da extrema-direita. Contudo, a Constituição Federal é clara ao garantir à liberdade de expressão irrestrita (vedada apenas o anonimato) a qualidade de direito fundamental (art. 5º, IV, CF/88).
Assim, quando um deputado se encontra sob a ameaça de ter seu mandato cassado por ter falado algo (sendo que uma das principais atividades de parlamentares é falar), vê-se configurado o reino da arbitrariedade.
Aliás, quando o próprio Ministro da Justiça ameaça uma pessoa com a persecução criminal, com o aparato de repressão estatal, simplesmente por ter falado algo, chega-se facilmente à conclusão de que o Brasil virou uma terra sem lei.
Flávio Dino mostra-se tão absurdo em sua declaração que diz que a PF irá investigar os “discursos”. Em outras palavras, não apenas Eduardo Bolsonaro, que foi quem proferiu a fala sobre os professores, será alvo de investigação, mas também as outras pessoas que discursaram no ato.
Um completo disparate!
No Brasil não há mais leis e nem Constituição. Vale o dizem os juízes (desde que esteja de acordo com os objetivos da burguesia).
E o que é mais lamentável é que praticamente toda a esquerda de conjunto é arrebanhada pela burguesia a seguir uma política antidemocrática e ditatorial como esta. Já há um bom tempo em que esquerdistas pequeno-burgueses apoiam vigorosamente esse atropelo dos direitos democráticos da população. Por conseguinte, apoiam a consolidação de um regime de censura.
A esquerda pequeno-burguesa está pavimentando o caminho para que o atual Estado burguês pseudo-democrático eventualmente seja transformado em um Estado burguês fascista. E, pelo nível da escalada autoritária que estamos presenciando, essa transição tenderá a ser realizada com certa facilidade pelo imperialismo.
Infelizmente, esses esquerdistas desmiolados ainda não perceberam que não é possível vencer a extrema-direita recorrendo ao aparato repressivo da burguesia. Afinal, a extrema-direita é um recurso de última instância utilizado pela burguesia para barrar o avanço do proletariado, esmagando por completo a democracia operária.
Muitos acreditam, sinceramente, que as medidas ditatoriais de Flávio Dino e de Alexandre de Morais constituem um combate à extrema direita. Não poderiam estar mais enganados.
Tais medidas só são voltadas contra elementos avulsos, secundários ou desgastados do bolsonarismo. Contudo, a extrema-direita está encastelada no Alto comando das Forças Armadas Brasileiras. E não há o mínimo sinal de que tais militares serão tirados de lá. Sequer serão responsabilizados pelas incontáveis declarações escatológicas e golpistas que deram nos últimos anos, desde o golpe de 2016.
Apesar de esses generais serem todos fascistas, a conjuntura mostra que nenhum deles jamais será responsabilizado pelo aparato de repressão do Estado burguês.
Prova disto é que, mesmo após vários meses, a CPI que investiga os eventos do dia 08 de janeiro não produziu nenhum resultado significativo, no que se refere à responsabilização do Alto Comando. O máximo que a CPI conseguiu, nesse sentido, foi colocar os coronéis Lawand e Mauro Cid sob os holofotes da imprensa burguesa. Contudo, sequer sabemos essa CPI resultará em alguma responsabilização significativa de ambos os militares.
O que é falado em ato público jamais deve ser assunto policial. Ninguém poderia ser preso por falar, em ato público ou em qualquer lugar. Contudo, o regime de censura que vige no Brasil chegou a um ponto em que sequer é permitido discursar em ato público.
A esquerda-pequeno burguesa sempre se regozija quando o autoritarismo do Estado burguês recai sobre a extrema-direita, em especial os bolsonaristas. Contudo, é questão de tempo até que o tiro saia pela culatra, e a censura e a repressão se voltem completamente contra os trabalhadores e suas organizações. Afinal, a perseguição aos bolsonaristas serve apenas para colocar a focinheira no cachorro louco do fascismo. Quando a burguesia não vir alternativa senão recorrer à extrema-direita, todo o aparato repressivo se voltará contra a esquerda.
Em sua cegueira, a esquerda se alia à burguesia para fortalecer a ditadura burguesa.
E o que é pior, essas medidas repressivas não surtem absolutamente nenhum efeito em enfraquecer o bolsonarismo. Pelo contrário, o martiriza, contribuindo para seu fortalecimento perante a população, que odeia a repressão estatal.
Nesse sentido, deve-se fazer a seguinte pergunta: por acaso, os milhares de pequenos e médios burgueses que apoiam Bolsonaro, retirarão seu apoio por causa dos ataques de Flávio Dino e de Alexandre de Moraes? Eles virarão petistas? Esquerdistas? É óbvio que não. No máximo, eles ficarão quietos por um momento, até a tempestade passar.
Além disto, o bolsonarismo está firmemente implantado na PM. Tem apoio de parte dos quadros da PF (e a parte que não o apoia, não tende a enfrentá-lo). Está presente nas polícias civis de todos os Estados da Federação; assim como nas guardas municipais de todos os municípios importantes. Em suma, a maior parte do aparato de repressão está com Bolsonaro. O que faz a esquerda-pequeno burguesa achar que pode derrotar o bolsonarismo utilizando esse mesmo aparato de repressão?
Bolsonaro também tem as igrejas evangélicas. Perseguir seu filho apenas irá martirizá-lo perante esse setor da população.
Assim, proibir Eduardo Bolsonaro, ou qualquer outro bolsonarista, de falar em ato público não surtirá efeito para barrar o bolsonarismo. Irá, na verdade, impedir as pessoas em geral de falarem em ato público. Inevitavelmente recairá sobre os atos da esquerda.
Da mesma forma, recairá sobre os trabalhadores as acusações de terrorismo que a esquerda está lançando contra os bolsonaristas, em razão do 08 de janeiro. Para ela, ocupar órgãos públicos (que foi justamente o que ocorreu naquele dia) virou ato de terrorismo. Contudo, esses pequeno-burgueses não enxergam um palmo a frente do nariz. Não percebem que, com o acirramento da luta de classes, os trabalhadores da cidade e do campo tenderão a ocupar mais e mais órgãos públicos. Em razão disto, serão acusados de terrorismo. E a esquerda pequeno-burguesa terá pavimentado o caminho.
No Brasil, a situação, como está, já é profundamente repressiva. Com esse progressivo aumento da censura, as coisas só irão piorar. Quanto maior for a liberdade do aparato repressivo para atuar, pior será a situação do povo.
Dito isto, é necessário que aqueles que dizem lutar em prol dos trabalhadores desatem uma ampla campanha pelo direito irrestrito à liberdade de expressão, denunciando toda e qualquer censura exercida pelo Estado burguês, independentemente de quem seja o alvo da censura.