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Liberdade irrestrita

A defesa dos direitos democráticos é um princípio dos marxistas

Um direito não pode pertencer a uma única classe, pois se tornará um privilégio. A liberdade de expressão deve ser irrestrita, ou não será uma liberdade.

Os companheiros do jornal Folha do Trabalhador publicaram um artigo, no último dia 15 de março, discutindo o recente caso do discurso do deputado bolsonarista Nikolas Ferreira e sua repercussão.

Com o título “Os trabalhadores não devem se solidarizar com fascistas”, os companheiros afirmam que não se deve defender o direito de liberdade de expressão para a extrema-direita, como é o caso de Nikolas Ferreira:

“No dia 8 de março, (…) o medíocre deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), do partido do corrupto Bolsonaro, fez uma performance, no plenário da Câmara Federal, contra os direitos democráticos das mulheres trans. Colocou uma peruca loira e disse: ‘Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nicole’. Depois, afirmou: ‘As mulheres estão perdendo seu espaço para homens que se sentem mulheres. Para vocês terem ideia do perigo de tudo isso, eles estão querendo colocar a imposição de uma realidade que não é realidade’

Não há dúvidas de Nikolas Ferreira seja um representante da extrema-direita, inimigo do povo. Mas essa constatação não resolve todo o debate. Não é correto afirmar, como no trecho acima, que o discurso de Nikolas Ferreira atente contra os direitos democráticos das mulheres trans.

A própria citação da fala do deputado mostra que o que está dito ali é uma opinião a respeito de determinada questão. É importante ressaltar, inclusive, que esse debate sobre se trans é mulher; sobre se basta um homem se considerar mulher para ser mulher, e coisas do tipo, é um debate que está em voga. O deputado, nesse sentido, apesar da maneira extravagante e debochada, não tirou da cartola o tema. Emitiu uma opinião que coincide com a de muitas pessoas, incluindo aí até mesmo alguns grupos de feministas.

Um ataque aos direitos das trans teria ocorrido, por exemplo, se Ferreira tivesse defendido a repressão ou um regime que considerasse as pessoas trans como cidadãos de segunda categoria, coisa que não fez. Seu discurso, discordemos ou concordemos com ele, foi uma opinião. E mesmo que seu discurso tivesse sido uma apologia à retirada de direitos dos trans, ainda assim não deveríamos cercear sua liberdade de expressão.

Essa primeira consideração é importante, pois ela serve de base para que se discuta a política que defende que não deve haver liberdade de expressão para o deputado.

O artigo da Folha do Trabalhador continua sua explicação e afirma que: “O direito abstrato de ‘liberdade de expressão’ não deve ser alegado para defender nossos inimigos de classe.”

Aqui, os companheiros da Folha do Trabalhador expressam duas ideias: 1) que a liberdade de expressão é um direito abstrato; 2) que ele não deve ser usado para defender os inimigos de classe.

Sobre o primeiro ponto, há uma confusão dos companheiros. A liberdade de expressão nesse caso não é abstrata, mas extremamente concreta. Um direito deve ser defendido em todas as situações. Os marxistas têm uma política de princípios, que significa que o que defendemos para uns, defendemos também para todos.

Essa defesa é concreta justamente porque considera quem está em condições de cassar os direitos dos bolsonaristas não é a classe operária, mas o imperialismo, que domina as instituições e que é um inimigo da classe trabalhadora mais poderoso que o bolsonarismo.

Ao colocar-se contra a supressão de direitos dos fascistas, Trótski explica que:

“Não é difícil prever uma objeção ad hominem: ‘Mas exatamente aquele governo soviético do qual o senhor participou proscreveu todos os partidos políticos, exceto os bolcheviques?’ Totalmente correto; e até hoje estou pronto para assumir a responsabilidade por suas ações. Mas não se pode identificar as leis da guerra civil com as leis dos períodos pacíficos; as leis da ditadura do proletariado com as leis da democracia burguesa.” (Por que concordei em comparecer ao Comitê Dies, 1939)

Aqui, Trótski mostra que a supressão de um direito democrático só é justificável em situações de exceção, como a guerra civil. Que as leis sob a ditadura do proletariado não podem ser as mesmas sob a democracia burguesa. Hoje, no Brasil, estamos sob um regime de domínio do imperialismo, onde as maior parte das instituições estão dominadas por ele.

Isso porque – e aí entramos no segundo ponto – um marxista sabe que se retirarmos os direitos de alguns, mesmo que esses sejam nossos inimigos, estaremos abrindo o caminho para a retirada de direitos dos trabalhadores.

O caso em questão é muito concreto, pois justamente considera a situação política. Quem quer cassar Nikolas Ferreira é o Estado burguês e suas instituições dominadas pelo imperialismo, como o STF.

Trótski explicou isso muito bem ao afirmar que:

“Nas condições do regime burguês, toda supressão dos direitos políticos e da liberdade, não importa a quem sejam dirigidos no início, no final inevitavelmente pesa sobre a classe trabalhadora, particularmente seus elementos mais avançados. Essa é uma lei da história. Os trabalhadores devem aprender a distinguir entre seus amigos e seus inimigos de acordo com seu próprio julgamento e não de acordo com as dicas da polícia.” (Idem)

Se Nikolas Ferreira é um inimigo de classe, ele não é O inimigo, mas apenas UM inimigo. Com certeza ele nem é o inimigo mais importante. O fascismo só se torna uma preocupação central da classe operária quando a situação o impulsiona para a tomada do poder e os grandes capitalistas apoiam. Sem isso, o fascismo não é o inimigo fundamental.

A posição dos companheiros acaba caindo numa política social-democrata que os leva a se aliarem com o imperialismo contra o fascismo. Essa política, como mostrou Trótski, acabou resultando no fortalecimento e na ascensão do fascismo.

Ao apoiar a cassação e a retirada do direito de Nikolas Ferreira, a esquerda está numa frente única com o imperialismo contra a extrema-direita. O pior, nesse caso específico, é que essa frente se dá numa base totalmente antidemocrática.

Contrariando o que Trótski afirma sobre a retirada de direitos se voltar contra a classe trabalhadora, o artigo dos companheiros afirma que o direito à liberdade de expressão não deve ser alegado:

“Nem com a ilusão de isso pode ser usado um dia contra trabalhadores, democratas, socialistas e comunistas.”

Diferente do que dizem os companheiros, isso não é uma “ilusão”. A retirada de direitos sob o pretexto do combate à extrema-direita já está sendo usado contra os trabalhadores. O PCO foi censurado, bem como outros grupos, jornais e perfis de esquerda também sofrem com esse problema.

No último parágrafo, os companheiros apelam para um exemplo e citam Lyudmila Pavlichenko, franco-atiradora soviética:

“todo nazista abatido é um passo à frente no caminho da libertação da humanidade.”

Os companheiros afirmam que a defesa da liberdade de expressão é abstrata, mas usam um exemplo totalmente abstrato para justificar a sua posição.

O exemplo não cabe simplesmente porque se trata de uma soviética lutando na guerra. O Brasil não está em guerra, menos ainda sob um regime de tipo soviético. Quem vai cassar os fascistas nesse caso serão os representantes do imperialismo. Ou seja, essa cassação, na verdade, é fictícia, o imperialismo não tem nenhuma interesse de combater o fascismo, como afirma Trótski no mesmo texto:

“A proscrição de grupos fascistas teria inevitavelmente um caráter fictício: como organizações reacionárias, elas podem facilmente mudar de cor e se adaptar a qualquer tipo de forma organizacional, uma vez que os setores influentes da classe dominante e do aparelho governamental simpatizam consideravelmente com eles e essas simpatias inevitavelmente aumentam em tempos de crise política.”

Não se trata, portanto, de se “solidarizar”, mas de ter uma política correta para a situação, uma política de princípios.

Abaixo, segue, na íntegra, o texto de Leon Trótski:

“Por que concordei em comparecer ao Comitê Dies“

“Escrito em 11 de março de 1939.

O seguinte artigo, escrito em 11 de março de 1939, foi publicado pela primeira vez na edição de 30 de dezembro de 1939 do Socialist Appeal. Foi reimpresso a partir de Writings of Leon Trotsky [1939–40] (New York: Pathfinder, 1973). O Comitê Dies era o Comitê de Atividades Não-Americanas da Câmara chefiado pelo democrata do Texas, Martin Dies.

Por que concordei em comparecer ao Comitê Dies? Naturalmente, não para facilitar a realização dos objetivos políticos do Sr. Dies, particularmente a aprovação de leis federais contra um ou outro “partido” extremista. Sendo um oponente irreconciliável não apenas do fascismo, mas também do Comintern atual, sou ao mesmo tempo decididamente contra a supressão de qualquer um deles.

A proscrição de grupos fascistas teria inevitavelmente um caráter fictício: como organizações reacionárias, elas podem facilmente mudar de cor e se adaptar a qualquer tipo de forma organizacional, uma vez que os setores influentes da classe dominante e do aparelho governamental simpatizam consideravelmente com eles e essas simpatias inevitavelmente aumentam em tempos de crise política.

Quanto ao Comintern, a supressão só poderia ajudar essa organização completamente degenerada e ultrapassada. A dificuldade da situação do Comintern é o resultado da contradição irreconciliável entre o movimento internacional dos trabalhadores e os interesses da camarilha dominante do Kremlin. Depois de todos os seus ziguezagues e imposturas, o Comintern obviamente entrou em seu período de decomposição. A supressão do Partido Comunista restabeleceria imediatamente sua reputação aos olhos dos trabalhadores como um lutador perseguido contra as classes dominantes.

No entanto, a questão não se esgota com esta consideração. Nas condições do regime burguês, toda supressão dos direitos políticos e da liberdade, não importa a quem sejam dirigidos no início, no final inevitavelmente pesa sobre a classe trabalhadora, particularmente seus elementos mais avançados. Essa é uma lei da história. Os trabalhadores devem aprender a distinguir entre seus amigos e seus inimigos de acordo com seu próprio julgamento e não de acordo com as dicas da polícia.

Não é difícil prever uma objeção ad hominem: “Mas exatamente aquele governo soviético do qual o senhor participou proscreveu todos os partidos políticos, exceto os bolcheviques?” Totalmente correto; e até hoje estou pronto para assumir a responsabilidade por suas ações. Mas não se pode identificar as leis da guerra civil com as leis dos períodos pacíficos; as leis da ditadura do proletariado com as leis da democracia burguesa.

Se alguém considerasse a política de Abraham Lincoln exclusivamente do ponto de vista das liberdades civis, o grande presidente não pareceria muito favorável. Como justificativa, é claro, ele poderia dizer que foi compelido a aplicar medidas de guerra civil para expurgar a democracia da escravidão. A guerra civil é um estado de crise social tensa. Uma ou outra ditadura, inevitavelmente surgindo das condições da guerra civil, aparece fundamentalmente como uma exceção à regra, um regime temporário.

É verdade que a ditadura na União Soviética não morreu, pelo contrário, assumiu formas totalitárias monstruosas. Isso se explica pelo fato de que da revolução surgiu uma nova casta privilegiada que é incapaz de manter seu regime a não ser por meio de uma guerra civil oculta. Foi precisamente por causa dessa questão que rompi com a camarilha dominante do Kremlin. Fui derrotado porque a classe trabalhadora, em decorrência das condições internas e externas, se mostrou muito fraca para liquidar sua própria burocracia. Não tenho, porém, dúvidas de que a classe trabalhadora a liquidará.

Mas seja qual for a situação na URSS, a classe trabalhadora nos países capitalistas, ameaçada pela sua própria escravidão, deve se posicionar em defesa da liberdade para todas as tendências políticas, incluindo seus próprios inimigos irreconciliáveis. É por isso que não sinto a menor simpatia pelos objetivos do Comitê Dies.”.

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