Em 30 de novembro de 1979, o general João Batista Figueiredo, então presidente da República, fez uma visita à cidade de Florianópolis que desencadearia uma série de tumultos na capital catarinense, os quais só terminariam efetivamente em fevereiro de 1980. O episódio entraria para a história dos movimentos de luta contra a Ditadura Militar. Conhecido como “Novembrada”.
Já na chegada, Figueiredo seria recepcionado pelo protesto de mulheres, que promoviam um panelaço contra a carestia que assolava o País. A manifestação das mulheres acompanharia o general até o Palácio Cruz e Souza, antiga sede do governo estadual (atualmente, um museu), localizado na praça VX de Novembro.
Em companhia do governador-interventor Jorge Bornhausen (à época da ARENA, hoje DEM) e do então deputado arenista Esperidião Amin (hoje no PP), o general sairia à sacada do prédio, deparando-se com milhares de manifestantes, entre estudantes, taxistas, insatisfeitos com o reajuste de 58% do preço da gasolina, e trabalhadores em geral, que sofriam os efeitos mais duros da política de arrocho salariam combinada com a inflação e a carestia.
Da sacada, o general desdenhou a manifestação, fazendo um gesto envolvendo os dedos polegar e indicador formando um círculo. Foi o estopim para que os confrontos se iniciassem.
Crianças que faziam a recepção foram retiradas e a cavalaria da PM entrou em cena para a batalha campal que se desenvolveu entre as forças de repressão e os manifestantes, que revidaram.
Ao sítio Catarinas.info, o jornalista e fotógrafo Dario de Almeida Prado deu um relato da cena presenciada: “Tenho uma foto que mostra doze soldados em cima de um estudante. Sabe por que ele (o estudante) escapou? Porque as pessoas encheram os policiais de chute”.
Desafiando os manifestantes, Figueiredo resolveu descer, mas percebeu que não poderia enfrentar os manifestantes.
Segundo relatos na matéria “Há 40 anos a Novembrada parava Florianópolis e lançava ecos para o país”, assinada pelo jornalista local Paulo Clóvis Schmitz e publicada no sítio ND+, a matéria “Há 40 anos a Novembrada parava Florianópolis e lançava ecos para o país”, assinada pelo jornalista local Paulo Clóvis Schmitz e publicada no sítio ND+, “a comitiva se dirigiu ao Ponto Chic, no calçadão da rua Felipe Schmidt, os estudantes, então isolados pelo esquema de segurança, deram a volta pela rua Trajano e encostaram novamente nas autoridades.”
A matéria informa que o ministro das Minas e Energia, Cesar Cals, presente na comitiva, acabaria agredido também e que alguns membros da equipe de governo terminaram presos dentro de uma loja, empurrados pelos manifestantes.
Em entrevista publicada na matéria, Rosângela Koerich, estudante de Direito da UFSC na época e hoje, advogada e integrante do Coletivo Memória, Verdade e Justiça, o tamanho da manifestação surpreendeu até mesmo os organizadores, mas que diante dos graves ataques econômicos contra a população, a radicalização era inevitável: “Era uma luta pela igualdade, liberdade e melhor divisão de renda no país”.
Os relatos apontam cerca 5 mil manifestantes. Finalmente, uma placa em tributo ao presidente marechal Floriano Peixoto fora destruída, arrancada de seu ponto e atirada contra o Palácio. Recém instalada, a homenagem ao marechal era cercada de discórdia devido a um massacre promovido pelo governo federal na cidade.
Já enfrentando sua crise terminal, a Ditadura acumulava uma série de derrotas, comprovando a debilidade profunda do regime. 1979 foi o ano das gigantescas greves operárias do ABC, a refundação da UNE e uma crescente pressão popular que culminaria na anistia que traria de volta os exilados políticos.
Em Florianópolis, a visita do general Figueiredo buscava contornar a debilidade e mudar a imagem pública da ditadura. Thais Lippel, à época estudante de Medicina, lembra que a imprensa “estava trabalhando para ele ser bonzinho, transformá-lo em João ‘presidente da conciliação’”. Contudo, o tiro sairia pela culatra.
A chegada do general faria a cidade ser sacudida por mais uma série de manifestações. Isto por que na sequência do primeiro protesto, sete estudantes acabariam presos, levando manifestações ainda maiores pela libertação dos jovens.
Uma das presas, Rosângela, contou ao sítio Catarinas ter sido interrogada quase diariamente: “Perguntavam ‘tem líder?’, ‘o que você defende?’. Até que trouxeram um inquisidor da Bahia, conhecido torturador. Ele deu um soco na mesa e disse ‘confessa tudo, tenho a mala cheia de documentos sobre a tua história’. Quando ele abriu a mala, tudo que eu fiz… Panfletos, estavam lá, até a história em quadrinhos da greve do ABC, que trazia a brincadeira dos times dos metalúrgicos e patrões”.
Novos protestos foram marcados pela liberdade dos estudantes. “Havia muita interação com a população. A gente fazia manifestações e a população escutava. Enquanto centro acadêmico, fazíamos um trabalho político junto à cidade”, lembra Thais.
Apesar do governo estadual ter tentado dissuadir a população de participar do protesto, mais de dez mil pessoas se reuniriam no dia quatro de dezembro, nas escadarias da Catedral Metropolitana, para pedir a libertação dos presos. A resposta da polícia foi igualmente truculenta, porém não conseguiram arrefecer os ânimos.
“Era muita gente, ninguém queria ir pra casa, só iriam embora se as/os estudantes fossem soltas/os. A população já não suportava, cercaram as prisões, parece que arrancariam os estudantes na marra”, conta a então estudante de Medicina.
Temendo a continuidade da radicalização popular, os juristas da Ditadura terminariam libertando os estudantes presos dois meses depois.
Embora a imprensa catarinense fizesse menção à visita do general Figueiredo em termos como “quebrou o protocolo e misturou-se ao povo, abraçando e beijando crianças, mulheres e velhos” (Jornal de Santa Catarina), a onda de protestos na capital catarinense terminaria aprofundando a crise da Ditadura Militar.