Em 3 de outubro de 1965, Fidel Castro leu a famosa “Carta de Despedida”, assinada por Che Guevara. Até então, a situação de Che era uma verdadeira incógnita: ele tinha sido visto pela última vez em 15 de março, depois das suas excursões internacionais na ONU, na conferência de Dar es Salaam e em Argel. O seu desaparecimento público causou rumores de todos os tipos, incluindo relatórios falsos dos serviços secretos imperialistas que presumiam que ele estava morto. Sem revelar ainda o seu paradeiro exato e evitando dar informações à OTAN, Fidel Castro confirmou sua saída de Cuba e a sua ausência no novo comitê central para colaborar militarmente nos vários processos revolucionários em curso.
A renúncia de Guevara aos postos de direção no Estado cubano não constituiu um fato pessoal, mas político. Consiste em um episódio da luta entre Che e as tendências conservadoras, oriundas do stalinismo, na direção da revolução em Cuba.
Sem um programa claramente definido e com expressões confusas, Che representava na cúpula da direção cubana a tendência revolucionária que se inclinava para a extensão da revolução à América Latina como forma de consolidar e fazer avançar a revolução cubana.
O programa da difusão da revolução está ligado à defesa da igualdade dentro do próprio Estado operário, na luta contra privilégios do Estado e da burocracia partidária, à ideia de aumentar a produção não mediante aumentos salariais e incentivos materiais, mas voltando-se para o sentimento e a consciência social das massas cubanas.
A linha política defendida por Ernesto Guevara se chocava integralmente com a política interna e externa da direção stalinista da União Soviética, reproduzida por seus representantes dentro de Cuba. A ala stalinista defendia a política da “coexistência pacífica” com o imperialismo, da “consolidação interna” da revolução em detrimento das “aventuras estrangeiras”, dos incentivos materiais e da desigualdade salarial como forma de impulsionar a produção e, como consequência, do respeito ao desenvolvimento progressivo dos privilégios para toda uma capa de burocratas dirigentes do Estado e do partido.
Fidel Castro adotou constantemente uma postura oscilante entre os dois extremos. Se, por um lado, concedia algum apoio às iniciativas guerrilheiras da América Latina, por outro, também se preocupava em garantir um acordo estável com a burocracia de Moscou. A renúncia de Che, por sua vez, não significou pura e simplesmente a derrota das tendências das quais ele era a principal personificação. Che se viu forçado a sair porque as forças sociais que pressionavam por uma política revolucionária em Cuba – estimuladas pelo que estava acontecendo no Vietnã, na América Latina e em todo o lado – exigiam que o próprio Che travasse uma batalha para a qual não estava preparado. As massas eram a base da tendência revolucionária em Cuba, mas apenas a sua intervenção na situação poderia resolver o impasse em seu favor. Eis então a debilidade da posição de Guevara: de comum com a ala burocrática stalinista, ele acreditava que o conflito deveria se resolver no âmbito da direção, para preservar a “unidade”. Ao jogar o jogo nesse terreno, Che se colocou em desvantagem, renunciando a utilizar a sua arma principal, que estava fora e não dentro do aparato. Encerrada a discussão no aparato, a debilidade real do stalinismo se transformava em força, e a força real das tendências revolucionárias se refletia dentro do aparato como debilidade relativa. Ao fim e ao cabo, o que acabou derrotada não foi a política de Che, mas a forma como ele travou a luta, a saber, sem recorrer à intervenção das massas.
Na carta, reafirmou sua solidariedade duradoura com a Revolução Cubana, mas declarou que era sua intenção deixar Cuba para lutar pela causa revolucionária no exterior.