─ Eduardo Vasco, de Rostov do Don
Domingo à noite, perto da estação de trem de Rostov do Don, estamos perdidos procurando o Yandex Go que havíamos chamado. É então que vejo um carro com uma placa com a bandeira e as iniciais da República Popular de Lugansk (LPR). Foi o primeiro, e até agora o único, veículo da recém-formada república que vimos na Rússia. Em Rostov são até comuns os carros com a placa da República Popular de Donetsk (DPR), mas a de Lugansk é muito mais rara.
O Oblast de Rostov, onde se situa a cidade de Rostov do Don, é fronteiriço com o Donbass e para onde milhares de refugiados fogem da guerra promovida pelos militares nazistas da Ucrânia desde 2014. Neste momento, quase mil refugiados encontram-se em abrigos mantidos pela prefeitura de Rostov do Don.
Ansioso para encontrar alguma história, uso o pretexto da busca por informações para me acercar do automóvel, onde dois rapazes conversavam.
─ Hello. Do you speak English?
─ So so.
─ Does your friend speak?
─ Yeah, so so.
Digo que somos brasileiros e estamos procurando um Yandex e o rapaz que está de motorista diz que irá chamar um carro. Logo em seguida, pergunta para onde vamos e nos oferece uma carona.
Ruslan, o motorista, nos diz que saiu há dois meses de Lugansk e encontra-se sem emprego em Rostov. Sua mãe continua na cidade da região do Donbass. Ele conta que Putin e os militares russos estão ajudando a república popular e, em sua opinião, a guerra que já dura oito anos é uma disputa entre os Estados Unidos e a Rússia.
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No dia seguinte, vamos a um bar na região central da cidade, no carro de Ruslan, desta vez acompanhado de outro amigo, Alexei, que também veio de Lugansk. Ele diz torcer para o Zenit São Petersburgo, enquanto Ruslan afirma ser um simpatizante do… Real Madri.
Na conversa na mesa, descobrimos que Ruslan é três vezes campeão ucraniano júnior de levantamento de peso e foi medalha de bronze no campeonato mundial de belt wrestling, uma modalidade de luta semelhante ao judô. Também quando ainda vivia em Lugansk, o jovem de 23 anos e braços enormes praticava MMA. Agora, se permanecer na Rússia, precisa se filiar à federação local para continuar sua carreira, mas também pensa em ir para a Irlanda, que importa lutadores da sua categoria.
Essas são as únicas lutas que ele deseja. Quer distância da guerra no Donbass, de onde fugiu para não ser recrutado pela milícia popular de Lugansk quando começou o contra-ataque com o apoio das forças armadas russas, quase dois meses atrás.
─ Muitos refugiados da Ucrânia vão para Lugansk. E muita gente de Lugansk veio para Rostov. Tenho dez amigos de lá que moram aqui. Também tenho amigos de Lugansk que estão lutando tanto pela Ucrânia quanto pela Rússia. Eu não me considero um refugiado, apenas não quero lutar e matar pessoas.
─ Então você não tem lado no conflito?
─ Não. Essa é uma guerra entre políticos, nós civis não temos nada a ver com isso. Na Ucrânia, os EUA e a Rússia estão defendendo os seus próprios interesses. Nossos militares pegam os jovens, os enviam para a linha de frente e trazem um monte de corpos de jovens mortos em caminhões Kamaz.
Ruslan estudou inglês na escola durante nove anos, mas há dez não pratica o idioma. Tem um irmão que vive no Daguestão, uma república russa no norte do Cáucaso, ao lado da Chechênia. Ele já visitou essas duas regiões russas e as achou belíssimas. Diz gostar dos chechenos.
─ São um povo guerreiro, não é? Pergunto.
─ Estão lutando na Ucrânia agora.
─ Você gosta do Ramzan Kadyrov?
Faz um gesto pensativo e relutante, olhando de canto de olho para o lado direito com os lábios espremidos e um leve sorriso.
─ É um homem muito forte.
Neste momento já havíamos saído do bar onde fui tapeado com uma conta de 1.650 rublos por cinco cervejas corona e um suco. Os comerciantes russos são como qualquer um: se o cliente é estrangeiro e tem cara de trouxa como eu, eles enfiam a faca. Agora fomos jantar em um restaurante na esquina. Junta-se a Rafael, Ruslan, Alexei e a mim um outro amigo de Ruslan, Ivan, que tem 30 anos e joga basquete. Ele veio para Rostov do Don junto com Ruslan, os dois são amigos há quatro anos e Ivan tem negócios em Lugansk. É casado e tem um filho de um ano ─ Ivan Júnior, brinca.
Alexei, de 36, também é casado e sua esposa nos dá um “good morning” por chamada de vídeo no telefone, às nove e meia da noite, direto de Lugansk, com seu gatinho no colo. Seus negócios são do setor de turismo em Krasnodar, cidade ao sul de Rostov já próxima ao Estreito de Kerch, que liga a Rússia continental à Crimeia. Ele tem uma irmã que mora na Itália e outra em Portugal desde 2010.
Nenhum dos três pretende ficar na Rússia, querem voltar para Lugansk quando terminar a guerra.
─ Porque não é nosso país, diz Ruslan, que se considera ucraniano e diz que ultimamente as relações entre cidadãos russos e ucranianos não estão boas.
─ E quando acham que o conflito irá terminar? Pergunta Rafael.
─ Em setembro, responde Ivan.
─ Quando terminará a mobilização militar, complementa Alexei.
─ Ou talvez em 9 de maio? Indaga Ivan, de forma enigmática.
Enquanto Rafael e eu devoramos nossos hambúrgueres, Ruslan recebe uma ligação e se afasta da mesa. Permanece durante alguns minutos no telefone e depois volta. Era seu tio, de Lugansk.
─ Neste momento meu tio está operando um homem que pisou numa mina. Ele é pediatra mas, com a guerra, tem atendido pessoas de todas as idades.
Um pouco antes do fim de nossa conversa, Alexei ─ cujo estilo é idêntico ao de um personagem do submundo russo em algum 007 com Pierce Brosnan ou Daniel Craig ─ pergunta qual o câmbio do dia entre dólar e rublo.
─ 78 rublos por dólar, responde Rafael.
─ Comigo são 83, retruca Alexei.
Ooooops…
Está bem, se a gente precisar, falamos com você, nosso simpatissíssimo amigo ucraniano. Já é hora de ir, bucho cheio, conta paga, conversa terminada. Descemos para a rua, onde acabara de cair uma leve chuva na noite agradabilíssima de Rostov do Don. Obrigado Ruslan, foi um prazer conhecê-los, Ivan e Alexei, mas agora está tarde e vamos voltar a pé para onde estamos hospedados, sem problema nenhum. Qualquer coisa nos comunicamos por mensagem no Telegram. See you, bye!