Em coluna no sítio Esquerda online, do dia 26/12, chamada “Trinta e um anos depois do fim da URSS, algumas reflexões”, o dirigente da corrente Resistência, do PSOL, Henrique Canary, tece algumas considerações sobre o fim da União Soviética:
“Tem sido dito pelo trotskismo que o que foi derrotado em 1991 na União Soviética foi o stalinismo, e não o socialismo. Essa ideia contém alguma verdade, mas é uma explicação demasiadamente fácil. Dizemos simplesmente ‘aquele não era o nosso projeto’ e lavamos as mãos. Assim, evitamos o peso psicológico da derrota.”
Logo no início do artigo, o autor já demostra uma posição anti-trotskista sobre a URSS. A posição do trotskismo sobre a URSS não é para levar as mãos tampouco para evitar um “peso psicológico da derrota”. Trótski tinha uma concepção científica profunda do problema da burocracia que Canary parece ignorar. “O socialismo é uma estrutura planificada até o fim para a melhor satisfação das necessidades humanas; se é outra coisa, não merece o nome de socialismo”, explicava Trótski em seu A Revolução Traída. Veja que a colocação não tem nada a ver com “psicologia”.
Trótski caracterizava a URSS como um Estado operário degenerado. Tal degeneração fora produzida pela burocracia stalinista, fundada em problemas econômicos e sociais peculiares de um país atrasado como a Rússia. Canary não explica nada disso. Ao ignorar a crítica marxista, portanto científica, da URSS, Canary tece um elogio da burocracia.
“Em menos de 30 anos, a União Soviética conseguiu um nível de crescimento e desenvolvimento que nenhum país capitalista jamais havia alcançado. Fruto da nacionalização da economia, do monopólio do comércio exterior e do planejamento da produção, a URSS se tornou, em tempo recorde, de fato, a segunda potência industrial do mundo.”
O que Trótski diz sobre esse desenvolvimento da URSS?
“A Rússia não era o elo mais forte, senão o mais fraco da corrente capitalista. A atual União Soviética não está acima do nível econômico mundial, mas está somente tentando alcançar os países capitalistas. (…) A força e estabilidade dos regimes são determinados, a longo prazo, pela sua produtividade do trabalho relativa. Uma economia socialista possuindo uma técnica superior à do capitalismo deveria realmente ter garantido o seu desenvolvimento socialista – digamos assim, automaticamente – uma coisa que infelizmente ainda é impossível de dizer sobre a economia soviética.” (A Revolução Traída)
Veja que Leon Trótski tinha uma análise profunda do problema da URSS. Ele explica porque, diferente do que falava a propaganda da burocracia stalinista, a URSS não era socialista. Canary não diz que a URSS era socialista, mas faz uma apologia do regime soviético a ponto de transforma-lo na “segunda potência industrial do mundo”.
Embora a revolução proletária tenha produzido um desenvolvimento econômico gigantesco num país como a Rússia, a URSS esteve muito distante de ser a segunda potência do mundo. A própria situação da Rússia hoje mostra o absurdo da colocação. A URSS não era mais desenvolvida do que os países europeus imperialistas como Alemanha, França, Inglaterra. Não era mais desenvolvida nem mesmo em relação a outros países imperialistas como Japão, Espanha e Itália. Canary simplesmente reproduz a propaganda dos stalinistas, ignorando a explicação do próprio Leon Trótski.
“Sabemos que o socialismo é possível não porque Marx escreveu sobre ele em livros de filosofia, mas porque um dia existiu um país chamado União Soviética”.
Aqui, no último parágrafo de seu artigo, Canary parece realmente acreditar na propaganda stalinista. Contra toda a explicação dada por Trótski e pelos trotskistas, ou seja, contra os ensinamentos do marxismo, o dirigente da Resistência afirma que existiu o socialismo na URRS.
Trótski também ensinou que para defender a URSS dos ataques da direita e do imperialismo não era necessário fazer nenhuma apologia à burocracia. Pelo contrário, Trótski defendeu o Estado operário incondicionalmente, sem perder de vista a crítica e a denúncia da burocracia. Canary parece não ter aprendido a lição daquele que ele considera seu mestre. A pretexto de defender o socialismo, acaba elogiando os mitos criados pelo stalinismo.