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Série: entrevistas com o povo

“Sobrevivemos ao fim da União Soviética, não temos medo de crise”

A guerra, as sanções, Putin e o futuro da Rússia do ponto de vista de gente comum nas ruas

Rafael Dantas, de Moscou

Olga Vitchenko tem 37 anos, trabalha no escritório de uma empresa que faz controle de qualidade e homologação de alimentos para o comércio em Moscou. Nasceu na cidade de Stary Oskol, com 224 mil habitantes, a 640 quilômetros ao Sul da capital e 640 quilômetros a Leste de Kiev. Conversamos durante alguns minutos enquanto ela passeava com seu cachorrinho, Ëgik (lê-se: Iôjic).

Política

Ela votou em Putin nas últimas eleições “porque simplesmente não há outros bons candidatos que possam oferecer algo melhor”. “Muitas pessoas disseram que não querem Putin. Bem, eles também não sabem o que querem”, disse.

Há uma certa semelhança na maneira como muitos brasileiros pensavam a respeito de Lula e dos governos do PT entre 2003 e 2016. “Muitos oposicionistas simplesmente falam que é preciso mudar o governo, que Putin é presidente há muito tempo. Eles falam que é preciso trocar de presidente, mas ninguém fala o que faremos depois de conseguir isso”, afirmou.

Guerra 

A conversa inevitavelmente enveredou para a guerra. Para ela, “essa situação era inevitável” e está bem claro quem é o inimigo: “Estávamos indo para esse conflito com os Estados Unidos há muito tempo”. Em outras palavras, “aconteceu o que tinha que acontecer”, disse. 

“Os Estados Unidos apoiaram ativamente a agressão da Ucrânia. Havia laboratórios lá. Eles estavam se preparando para essa guerra muito minuciosamente. Não tínhamos outra opção. Sabíamos que se esperássemos mais seria pior,” considerou.

“Acho que as pessoas [russos] que apoiam a Ucrânia simplesmente não entendem toda a situação, como a situação poderia ser ruim para nosso país se não fizéssemos nada.

“A Rússia não é um agressor. Queremos apenas proteger nossos interesses e a nossa segurança”, completou.

Economia

Para Olga, cujo contrato de trabalho se encerra neste mês, “a Rússia prestou muita atenção à política externa. Agora é hora de prestar atenção na política doméstica. Criar muitas fábricas, abrir muitos empregos e produzir. Para nós haveria mais empregos, precisaríamos de menos importações e, consequentemente, teríamos mais dinheiro”.

Perguntei se o país estava sofrendo muito com as sanções e a resposta foi bastante esclarecedora sobre o estado de espírito do cidadão comum – aquele que se encontra com os 83% da população que estão apoiando a Rússia e seu governo na guerra: 

“Com o fim da União Soviética, nos anos 1990, houve uma grande fome no país, desemprego, longas filas e o povo viveu à base de pão e batatas. Foi horrível.

“Perguntei a muitos amigos se eles não têm medo da crise e me disseram: ‘Não. Nós sobrevivemos aos anos 90, ao fim da União Soviética, às loucuras de Gorbachev e Yeltsin. Não temos medo dessas sanções. Podemos passar muito bem sem McDonald’s ou Adidas.

“Muitos namorados deram graças a deus que a Apple parou de vender seus iPhones pois, assim, não têm que dar presentes tão caros às suas parceiras”, brincou.

“Meu avô lutou na Segunda Guerra. Por volta de 1942 caiu nas mãos dos alemães e ficou uns dois anos em cativeiro. O povo russo já enfrentou crises piores. Não temos medo”, concluiu.

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