Ex-dirigente e técnico do Botafogo e da Seleção Brasileira, o jornalista esportivo João Saldanha comenta a genialidade de Pelé durante decisão da Libertadores, de 1963. Após vencer, no Maracanã, a primeira final contra o Boca Juniors, da Argentina, por 3 a 2, o Santos chegou em Buenos Aires, e venceu os argentinos por 2 a 1, conquistando o bicampeonato mundial da competição continental. O Santos ainda seria bicampeão mundial sobre o Milan.
Saldanha comenta o segundo jogo da final contra o Boca. E mostra algo que predominou por muito tempo na Libertadores: porradaria argentina contra os jogadores brasileiros, com conivência da arbitragem, que não marcou dois pênaltis para o Santos.
Quem tem Pelé, tem tudo
“Buenos Aires — Num jogo que lhe foi francamente favorável no sentido do placar, o Santos classificou-se bem para enfrentar o Milan na final da Taça Mundial de Clubes, onde vai defender sue título de campeão do mundo, quando, num campo, que era pior do que o do São Cristóvão em dia de chuva e muito parecido com aqueles campinhos da Praia Vermelha, a peleja foi favorável ao Boca, no sentido técnico. E era como eu dizia: só um milagre, no segundo tempo, salvaria o Santos. Seu time estava mal e o Boca andava melhor. Mas acontece que quem tem Pelé, tem tudo. A turma do Boca, no ataque, costura bem, faz seus malabarismos bonitos, mas não é de chutar a gol. Só gosta de chutar depois da marca do pênalti. Ora, para chegar até ali, tem que rebolar muito.
O Santos, mal de time, visivelmente cansado e com Zito sem nenhuma condição física, aguentou-se bem com a descida de Dorval. Lucrou mais ainda quando o Boca decidiu baixar o pau, pois a violência só o prejudicou, já que estava melhor em campo no aspecto técnico. Mauro, antes falho e confuso, subiu de rendimento com o estilo de violência do Boca. Apareceu mais porque é grande, alto e a moçada boquense é tampinha. Nos únicos chutes longos, Gilmar andou bem, só falhando no gol que Sanfilippo fez, porque a bola foi cruzada na cara do goleiro. Tirando Grillo, que é bom e foi o único que se aproveitou, o resto é de fritar bolinhos. Não tiraram partido do ‘prego’ do Zito, que, a meu ver, para enfrentar o Milan tem que ficar uns dez dias de repouso, com comidinha na boca, se quiser atuar bem. Na frente, a tabelinha Pelé-Coutinho funcionou de novo e o Boca entrou pelo cano.
E o jogo correu bem, não teve incidentes que andaram ameaçando o seu transcurso, porque o juiz, seu Marcel não-sei-de-que, Marcel de Bois foi mole e covarde. Não deu dois pênaltis, um em Pelé e outro em Coutinho, e ainda deixou o pau comer, quando Orlando e Pelé andaram trocando pontapés e Lima com Silveyra. Mas, acho que os jogadores estavam com medo de expulsão e não jogar mais na Taça, por isso se acomodaram.
E o Santos, sem fazer grande partida, tendo mesmo aparecido com timidez no primeiro tempo, acabou ganhando porque tem Pelé e o Boca não tem atacantes”
João Saldanha, Última Hora, 12/9/1963