O Exame Nacional do Ensino Médio, vestibular que ocorre todos os anos e é a porta de entrada para inúmeras universidades do País, está se tornando cada vez mais identitário, de tal modo que seu prestador acaba tendo a impressão de que não vive sob o governo de Bolsonaro, mas sim no de Sonia Guajajara.
Primeiramente, é importante ressaltarmos que qualquer partido de esquerda que se preze deve ser contra o vestibular. A prova é apenas mais um obstáculo que dificulta a entrada da população mais pobre na universidade, mesmo com as cotas, acaba sendo um reduto muito grande das classes média e alta, que conseguem se matricular em cursinhos, estudam em boas escolas ou tem tempo o suficiente para fazer isso nos horários livres. Independentemente do formato (conteudista ou focado em interpretação), o vestibular é um salto muito grande e que exige uma preparação maior do que boa parte dos estudantes adquirem nas escolas.
O Enem é o vestibular mais popular no Brasil, sendo realizado por milhões de jovens de todo o País. É também o mais acessível pelo seu baixo valor comparado com provas como as da Fuvest. Mesmo assim, as controvérsias não param de aparecer. Um vestibular, em tese, tem como o objetivo testar tudo o que foi aprendido durante o ensino médio para saber se aquela pessoa está ou não preparada para a universidade — como já sabido por muitos estudantes, isso não é parâmetro nenhum, considerando que o nível de dificuldade de uma universidade é infinitamente superior do que uma escola pública de ensino médio.
Mas a questão aqui não é essa: com a primeira prova de 2022 sendo realizada no último domingo (13), foi observado um aumento estrondoso nas questões identitárias e sem ligação nenhuma com o objetivo de um vestibular: testar o que foi aprendido na escola.
Feminicídio, negros, indígenas: tudo foi utilizado, menos aquilo que os alunos estudaram para. Foram 90 questões com muito texto, caracterizando a estratégia clássica do Enem de pegar o aluno pelo cansaço da leitura. Não só isso mas, diferentemente dos anos anteriores, não foi observado objetivamente nenhuma questão de história do Brasil, algo absurdo considerando os diversos aniversários importantes que tivemos este ano: os 200 anos da independência do nosso País, a proximidade da proclamação da República (15 de novembro), os 100 anos da Semana de Arte Moderna, 100 anos da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana e os 100 anos da criação do Partido Comunista Brasileiro.
Não só isso, mas os próprios estudantes reclamaram quando, em uma das últimas edições da prova, não foi colocada nenhuma questão sobre a ditadura militar — e o mesmo foi observado nesta edição. Outro ponto que merece a crítica é o fato da prova simplesmente ignorar completamente a situação do País e do mundo. Nada relevante sobre Rússia e Ucrânia, assim como sobre as eleições ou a crise na Europa, onde diversos chefes de Estado caíram ao longo do ano.
O Enem de 2022 foi feito em um mundo à parte e completamente sem sentido. Perante a todos os problemas pelo qual passa o País, qual a real relevância do tema “Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil” e porque isso seria mais importante do que qualquer tema citado anteriormente, assim como a pobreza, o analfabetismo, a evasão escolar ou até mesmo a pandemia, fato tão recente e que impactou a vida de muitos estudantes brasileiros.
No meio de diversas questões sobre machismo, racismo e gênero, encontramos até mesmo uma questão que abordava o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, a qual foi elogiada pela esquerda apesar de não apresentar motivo nenhum para sua existência.
Não interessa quais os argumentos que possam ser utilizados para defender a prova, o fato é que, para seu objetivo, ela não faz sentido nenhum. É quase que uma apropriação identitária alheia ao Brasil atual e que não serve ao seu propósito, fazendo também com que os estudantes, na prática, joguem seus meses de estudo no lixo — o fato é que, se alguém conseguir responder tudo corretamente, esse alguém está completamente pronto para entrar no PSOL.