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Primeira Copa

Quando o Rei classificou o Brasil para as semi em 58

A importância de Pelé, aos 17 anos, no primeiro Mundial conquistado pelo Brasil

O cronista Nelson Rodrigues narra a classificação do Brasil para as semifinais da Copa do Mundo de 1958, disputada na Suécia. Nas quartas-de-final, o Brasil jogou contra País de Gales, e diante de uma tremenda retranca, os brasileiros venceram por 1 a 0. Gol de Pelé, aos 17 anos, classificando o Brasil para as semifinais.

Nelson ainda mostra a campanha que sofria Pelé na época. Antes, na competição, Pelé era reserva, junto a Garrincha, Zito e Vavá. Estes entraram apenas no terceiro jogo, contra a União Soviética e promoveram um espetáculo, vencendo os soviéticos por 2 a 0. Assumiram a titularidade contra Gales.

MORRENDO AO PÉ DO RÁDIO

Só os bobos, só os tapados não enxergam que o Brasil conseguiu, ontem, a sua maior vitória. Digo “maior” porque vencemos não de banho, não de goleada, mas por um escore magro, esquálido, quase fúnebre: — 1 × 0. O povo queria que enfiássemos uns seis ou sete. Eis a nossa tragédia: — a pura e simples vitória não basta. Desejamos enfeitá-la, pôr-lhe fitinhas e guizos. E o triunfo sem show, sem apoteose, o triunfo enxuto deixa o brasileiro descontente e desconfiado. Mas eu vos digo, aqui, que ninguém nos ouve: — foi a maior vitória brasileira. Imaginem se, por um absurdo, tivéssemos batido de quinze. Íamos enfrentar a França como uns anjinhos, isto é, com uma sensação mortal de invencibilidade. Em  50, perdemos a Copa porque goleamos a Espanha. Amigos, deixemos o banho para a França, que meteu quatro na Irlanda do Norte. Ótimo. E batam na madeira. 

Vejamos, porém, quem deve ser, entre os 22 homens de ontem, o meu personagem da semana. Ao terminar o jogo, Leônidas [da Silva, ex-craque (inventor da “bicicleta”) e então comentarista esportivo], que vive a negar os méritos do escrete, doutrinava: — “Pelé devia ser barrado!”. Pois é este, justamente este, o personagem da semana. Poderão objetar que Pelé jogou mal. Quem faz, numa quarta-de-final, o gol da vitória não jogou mal coisíssima nenhuma. De resto, que autoridade tem Leônidas? Contra a Rússia, ao final do primeiro  tempo, vinha ele para o microfone clamar: — “Os russos estão jogando melhor! Os russos estão mais perigosos!”. Pois bem: —  Leônidas foi o único camarada, em todo o Velho Mundo, que ignorou o show brasileiro. Enquanto Garrincha bailava, ele se punha a admirar o adversário! E, por isso, eu vos digo: se Leônidas nega Pelé, ótimo para este. 

Mas admitamos que Pelé tenha jogado pedrinhas. Fez o gol. Amigos, nada descreve o uivo, o urro que soltamos aqui quando o espíquer atirou o seu berro bestial: — “Gol!”. Até aquele momento, o Brasil inteiro, de ponta a ponta, do presidente da República ao apanhador de guimba, o Brasil estava agonizando, morrendo, ao pé do rádio. Imaginem se o adversário, antes de Pelé, tivesse enfiado um gol maluco. Eis a verdade: ia haver uma morte nacional. O Brasil teria desabado, teria arriado, e, posteriormente, teria saído num rabecão. 

E veio Pelé e fez o milagre. Podia ter enchido o pé. Mas foi genialmente sóbrio. Apenas colocou. E o arqueiro do País de Gales, que estava apanhando tudo, até pensamento, foi miseravelmente enganado. E ficou falando sozinho. Só mesmo Leônidas é quem podia achar que foi pouco esse gol tão sofrido, tão chorado por milhões de patrícios. 

Eu falei em uivo, em urro. Sim, amigos: — foi um som jamais ouvido, desde que se inventou o homem. Algo de bestial, de préhistórico, antediluviano, sei lá. Nunca, em nossa curta passagem terrena, conhecemos uma euforia assim brutal. Foi um desses momentos em que cada um de nós deixa de ter vergonha e passa a ter orgulho de sua condição nacional. E pergunto: como esquecer que foi Pelé, um garoto de cor, dos seus dezessete anos, quem nos arrancou, ontem, de nossa agonia e de nossa morte? “Garoto de cor”, disse eu. Mas um tipo racialmente nobre como Didi, por exemplo. Pelé em ação, dentro de campo, tem na sua corrida a cadência de certos cavalos de charrete, com perdão da imagem. Como Didi, daria também um belo príncipe etíope de rancho.  

E o bonito é que esse menino não se abala, nem se entrega. Possui a sanidade mental de um Garrincha. Ao contrário do brasileiro em geral, suscetível de se apavorar em face dos títulos do inimigo, ele não acredita em nada. Ninguém é melhor do que ele. Tivesse jogado contra a Inglaterra e creiam: — havia de driblar até a rainha Vitória. E, além do mais, foi preciso muita classe para enfiar o gol único e bendito. Debaixo daquela tensão emocional dantesca, só um garoto de raça teria lucidez para colocar, simplesmente colocar, no fundo das redes. Vamos deixar que Leônidas chame Pelé de perna-de-pau. 

É de pernas-de-pau como o meu personagem da semana que o Brasil está precisando para ser campeão do mundo.”

Nelson Rodrigues, Manchete Esportiva, 24/6/1958

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