Enquanto o IRA (Exército Republicano Irlandês) e o ETA (Pátria Basca e Liberdade) são provavelmente os dois grupos separatistas europeus mais famosos, pouco ouvimos falar da FLNC, a Frente de Liberação Nacional da Córsega, fundada em 1976 com a fusão de diversas organizações independentistas da ilha mediterrânea. Há pouco mais de duas semanas, um de seus militantes mais famosos, Yvan Colonna, que está preso desde 2003 pelo assassinato de Claude Érignac, na época prefeito da Córsega do Sul, sofreu um atentado. É importante dizer que, primeiramente, ele não foi eleito para o cargo, mas sim apontado pelo Estado francês, segundo, ele nada mais era do que um alto burocrata que havia atuado tanto na França continental quanto em territórios coloniais franceses (no caso Martinica) e, finalmente, não era corso, representava de maneira evidente uma ausência de autonomia do povo da ilha em escolher seus dirigentes.
Colonna foi sentenciado à prisão perpétua em 2011 e cumpria pena numa prisão na França continental quando sofreu uma tentativa de homicídio no dia 2 de março deste ano e se encontra em coma. Foi o estopim para que protestos violentos, que já duram duas semanas, começassem pela Córsega, uma das demandas sendo exatamente a transferência de Colonna para uma prisão na Córsega. Pelo menos 27 pessoas ficaram feridas durantes embates na cidade de Bastia no norte do país.
Embora tenha sido ocupada pelas tropas do rei Luís XV há pouco mais de 250 anos e tenha sido anexada à França, uma parte da população ainda fala corso (dentre as línguas minoritárias na França, é aquela que melhor se manteve viva apesar da dura pressão exercida pela língua francesa desde a Revolução Francesa), sobrevive uma cultura própria e a noção de uma Córsega independente. É interessante observar o fato que 10% da população da ilha fale nativamente uma língua que não é ensinada na escola, e não é por se tratar de uma primeira ou segunda geração de imigrantes. O movimento independentista corso ganhou força a partir dos anos 50, e ainda que a FLNC tenha teoricamente entregado suas armas em 2014 após ter reivindicado mais de quatro mil ações terroristas, o grupo permanece ativo e basta que haja alguma fagulha, como pode ser o ataque a Colonna, para que volte-se a pegar em armas para lutar por uma Córsega dona de seu próprio destino. Isto é inevitável na realidade, com o aprofundamento da crise do sistema imperialista, vem de maneira dual o aumento da opressão e da disposição para combatê-la. Não é a primeira vez na história recente que os corsos saem às ruas para protestar pela independência de seu país, milhares de pessoas estiveram nas ruas de Ajaccio, a capital da Córsega, cerca de quatro anos atrás esperando uma visitante do neoliberal Emmanuel Macron.
Alguma autonomia a ilha já tem desde que se tornou uma “coletividade territorial única” em 2018 através do artigo 30 da lei de número 2015-991 aprovada no dia 7 de agosto de 2015. Por causa disto, eleições especiais foram chamadas em 2017 somente dois anos depois das eleições anteriores: a coalização nacionalista Pè a Corsica (Pela Córsega) conseguiu 41 dos 63 assentos na Assembleia Corsa, em relação aos 24 conseguidos no período eleitoral anterior, e Gilles Simeoni foi reeleito presidente do Conselho executivo Córsega com 56,46% dos votos no segundo turno. É curioso que Simeoni tenha sido advogado de defesa de Yvan Colonna muitos anos atrás. Ainda que sejam nacionalistas moderados com demandas como “status” de residência na ilha para ali poder adquirir imóveis e maior liberdade fiscal com relação à Paris, o aumento de 24 para 41 assentos na Assembleia ilustra claramente a tendencia da população em prol da independência. O governo de Paris não pôde simplesmente ignorar o desenvolvimento da situação na Córsega nas últimas semanas e Gérald Darmanin, o Ministro do Interior, teve de ir à ilha com o intuito de negociar uma maior “autonomia”, vejamos se meras negociações com as lideranças de Femu a Corsica e dos outros partidos da coligação serão suficientes para conter a radicalização das ruas.
Não podemos descartar o papel dos russos em sua valente guerra contra o Imperialismo, estamos vendo pelo mundo capitalista desenvolvido inteiro manifestações contrárias à escalada dos conflitos no leste da Europa. As manifestações na Córsega são outro sintoma da decomposição do sintoma de dominação imperialista. Caso a FLNC volte a pegar em armas e a agir na ilha, devemos defendê-la, que possa inspirar as diversas nacionalidades oprimidas pelo Imperialismo, seja na Europa Ocidental ou em outro lugar do mundo, da mesma forma que a extraordinária vitória do Talibã abriu as portas para uma era em que os povos oprimidos do Oriente Médio, em particular, e do mundo todo possam levantar suas cabeças, pegar em armas e combater seu maior inimigo, o Imperialismo.