Desde que as operações militares russas na Ucrânia começaram há pouco mais de duas semanas, a imprensa imperialista age como se não houvesse qualquer outro conflito no mundo, que se não fosse o supostamente sanguinário Vladimir Putin, estaríamos vivendo uma linda paz. Neste sentido, é importantíssimo denunciar primeiramente a cobertura pífia, ou mesmo inexistente, dos órgãos da imprensa golpista sobre o conflito no Donbass ao longo dos últimos oito anos durante o qual o exército ucraniano e milícias nazistas aparelhadas e treinadas pelo imperialismo massacraram a população civil da região deixando mais de 14 mil mortos, algo já tratado em extrema profundidade neste Diário. E mais: nas últimas três semanas foram registrados ataques dos israelenses à Síria, ataques dos sauditas ao Iêmen e ataques dos norte-americanos à Somália. Todos foram ignorados pela máquina de propaganda de guerra imperialista à exceção talvez de uma citação aqui ou acolá. Por quê?
Ainda que ao longo da cobertura do conflito na Ucrânia diversas pérolas profundamente racistas tenham sido transmitidas por diversos órgãos da imprensa imperialista, de tal forma que uma denúncia demagoga chegou a aparecer no The Guardian, a questão não é racial, ainda que isto não seja algo impossível de se esperar do imperialismo, usar de tais artimanhas para evocar mais suporte pela suposta causa ucraniana na Europa e na América do Norte. Seria uma espécie de conclusão identitária do problema, uma conclusão tirada em abstrato do fato de, aos olhos do “Ocidente”: os ucranianos serem brancos enquanto os sírios, os iemenitas e os somalis não o são. Trata-se no entanto de outra coisa, o fato é que o perpetrador de todas as três agressões (e se trata aqui de fato de uma agressão diferentemente do caso russo em que a operação tem caráter defensivo, de libertação nacional) é o imperialismo, diretamente no caso somali ou através de países a ele subordinados nos casos da Síria e do Iêmen.
A Síria só conseguiu sobreviver à ofensiva imperialista durante a chamada Primavera Árabe justamente devido à interferência muito hábil de Putin na região, não é a toa que o governo de Assad tenha demonstrado grande apoio aos russos desde o começo da crise. O conflito, no entanto, não chegou ainda a seu fim. No dia 24 de fevereiro, o exército israelense realizou ataques aéreos contra os sírios que deixaram pelo menos seis mortos. Como um ato isolado, talvez pareça pouco, mas seria necessária uma Bíblia inteira para descrever os mais diversos crimes promovidos pelo Estado de Israel no Oriente Médio, no caso específico de agressões à Síria podemos rapidamente listar a ocupação das colinas de Golã e as centenas de ataques realizados pelos israelenses desde o começo da guerra, em 2011.
No caso do Iêmen, temos a maior catástrofe humanitária do mundo segundo a ONU, um órgão do próprio imperialismo, centenas de milhares de mortes causadas direta ou indiretamente pela guerra de genocídio levada adiante pela Arábia Saudita com o apoio norte-americano, além é claro das mais de vinte milhões de pessoas que necessitam de ajuda humanitária. É importante lembrar que na plataforma eleitoral de Joe Biden nas últimas eleições presidenciais dos EUA constava o fim do apoio aos sauditas em sua guerra de extermínio. Nem havia terminado seu primeiro ano de mandato quando foi aprovada a venda de 650 milhões de dólares em armas para a Arábia Saudita, sob pretexto de que seriam usadas de maneira defensiva. No dia 21 de fevereiro, segunda-feira retrasada, os sauditas realizaram bombardeio no norte do país que segundo a organização Médicos sem Fronteiras deixaram, pelo menos, dois mortos e dez feridos.
Finalmente, rebeldes ligados ao Al Shabab, filial somali da Al-Qaeda, foram atacados por um drone norte-americano no dia 22 de fevereiro, não se sabe o número de mortos, mas o imperialismo afirma não terem havido baixas civis. A Somália é um dos países mais pobres do mundo com um PIB per capita abaixo do que se estipula como a linha da pobreza. Em 2011, centenas de milhares de pessoas sucumbiram à fome e esta questão está muito longe de ser resolvida. No ano de 2022, não foram mobilizados fundos suficientes que possam servir como remédio temporário à chaga da fome no país, apenas 3% do estimado. Mais importante é noticiar as mais diversas invenções criadas pelo governo fantoche ucraniano para inflamar os ânimos da população contra os russos, e no caso do imperialismo em si, atacar o povo russo e na verdade o povo do mundo todo com sanções absurdas.
A imprensa imperialista naturalmente escolhe pouco reportar sobre estes conflitos, o que não é natural é que boa parte da nossa esquerda se mantenha silenciosa com relação ao problema, denunciam Putin mas pouco falam dos crimes do Imperialismo, não dá IBOPE. Certamente, temos todo tipo de maluquice no meio da esquerda pequeno-burguesa, os defensores do Estado de Israel, aqueles que juram não ter havido golpe em 2016, os grandes defensores da revolução do Euromaidan de 2014 que se mostram míopes ao fato de ter sido levada a cabo em grande parte por grupos abertamente nazistas e ter transformado a Ucrânia em um estado protofascista que massacra a população em geral e extermina a população de origem russa, que defendem a existência de um suposto imperialismo russo ou chinês, etc. Temos em nossas mãos setores da esquerda que trabalham, sabendo ou não, para o imperialismo (o imperialismo de verdade), em busca de um carguinho aqui ou acolá. Vivemos em uma época de grande acirramento das contradições do capitalismo, é preciso manter os olhos bem abertos e denunciar aqueles, que travestidos de aliados, estão trabalhando para o maior inimigo dos povos.





