Rafael Dantas, de Moscou
Sexta-feira, 1º de abril de 2022 – Conheci o parque Izmailovsky, uma floresta de 1.608 hectares a cinco minutos a pé de onde estou hospedado, no bairro de Perovo, em Moscou.
Foi a primeira volta que dei pela cidade desde que cheguei ontem e também o primeiro contato que tive com russos.
A neve cobrindo o parque não intimida os moscovitas. Correm, passeiam, esquiam no parque como quem anda de patins. Dois graus centígrados, 10 centímetros de neve: é primavera, quase verão.
Paramos à beira de um lago congelado e um pequeno deque de madeira diante de um buraco de 5 metros de diâmetro no gelo convida a um mergulho. Ao lado, uma cabana de madeira faz as vezes de vestiário e salão de jogos. Sai dali uma senhora de biquíni, mal enrolada em uma toalha. Cruza o deque, desce os degraus que levam à água geladíssima do lago e pronto: está nadando. Na-dan-do. Na água gelada. Num lago congelado. Dá umas voltas na água, bate as pernas como se fosse um dia de sol.
Na saleta de madeira que dá para o lago, uns 10 aposentados comemoram um aniversário à volta de uma mesa de madeira, jogando dominó e tomando conhaque. Aproximamo-nos e meu guia improvisado me apresentou: “ele é do Brasil”. Com um sorriso, fui saudado por todos. Um par se aproxima e puxa papo. Eis a surpresa, o inesperado:
– Nós odiamos a América. Eles invadiram o Iraque e o Afeganistão… mas aqui, não! Aqui eles não vão invadir!
Foram as palavras de uma senhorinha muito simpática ditas assim, do nada, sem que ninguém tivesse perguntado sua opinião, sem que eu tivesse dado qualquer sinal de minhas preferências políticas.
– Da! (“É!”) – emendou o aniversariante
A guerra tem impacto sobre as pessoas. Todas, em toda parte. Mexe com elas. Mesmo num parque, num dia de primavera russa, uma senhorinha não é mais só uma aposentada com seus amigos à beira de um lago gelado. A polarização a transformou em uma velhinha anti-imperialista, como a maioria da população (83% segundo a pesquisa mais recente) que expressou recentemente que aprova o governo Putin.
Como ouvi de outra pessoa mais jovem na noite anterior:
– Ele pode não ter feito muita coisa pela Rússia, mas a posição que adotou na política mundial, na geopolítica, é correta. Não podemos aceitar [a provocação da OTAN].
É o que viemos tirar a limpo aqui. Até a próxima!