─ Eduardo Vasco, de Moscou
Este é meu segundo dia na Rússia como enviado especial do Diário Causa Operária, Causa Operária TV e Jornal Causa Operária. Ontem (05), parti de Dubai às 9 da manhã sob um sol escaldante e cerca de 26° de temperatura em um voo da FlyDubai onde só havia russos, praticamente.
Durante todo o voo, o calor era enorme. Eu cheguei a arregaçar as minhas calças. Mas quando estávamos perto de Moscou, o serviço de bordo avisou aos passageiros para nos prepararmos. Então vi os russos se agasalharem ─ e se os russos se agasalham, é porque vai estar MUITO frio. Eu não havia levado na minha bagagem de mão o casaco que meu camarada Juca Simonard me emprestou, comprado em Quebeque para ser usado sob neve. Propício para a Rússia. Não, estava apenas com uma blusa de lã bem fina. Nesse momento, comecei a me preocupar, até porque nosso embarque não foi pela passarela que liga o prédio do embarque direto com o avião, e sim no estacionamento, subindo a escada para entrar na aeronave. Se o desembarque fosse desse jeito, eu sairia do avião direto para o céu aberto, sendo recebido pelo frio gelado de Moscou. Não era o camarada ideal para me dar as boas-vindas, embora seja o mais famoso anfitrião de quem chega à Rússia.
Ainda bem que tudo deu certo. E fui recebido por meus novos amigos, Sveta e Kostia. Ela fala inglês e ele português. Dois russos muito gente boa ─ como disse para Kostia, que em um primeiro momento não entendeu o significado. Pegamos o Yandex Go, o Uber russo, muito popular nas ruas de Moscou, e fomos à casa do meu amigo. No caminho, fiz meu primeiro contato com a capital russa e fiquei maravilhado: estava realizando um sonho.
Os dois são vizinhos, me disseram. Em Moscou, quando uma pessoa mora a quatro estações de metrô uma da outra, considera-se vizinha. A cidade é enorme. E a malha metroviária também ─ você pode ir para onde quiser de metrô.
Kostia mora em um prédio construído nos tempos soviéticos ─ assim como a maior parte dos russos. Seu imóvel é próprio.
─ A maioria dos russos vive em casa própria, porque não gosta de pagar aluguel, me diz. No Brasil também não gostamos de pagar aluguel, mas ─ respondi ─, ao contrário dos russos, não temos muita opção: como não se tem dinheiro para comprar uma casa própria, ou se paga aluguel, ou se mora debaixo da ponte. E, desde o golpe de 2016, cada vez mais pessoas são despejadas de suas casas por não conseguirem pagar aluguel.
Kostia me diz que praticamente não há moradores de rua na Rússia. Essa é uma das heranças da URSS que a Rússia ainda mantém, de um modo ou de outro. Andando pelas ruas de Moscou, constato que ele não estava mentindo: o máximo que vi foram duas ou três pessoas pedindo dinheiro em alguma passagem para a entrada de uma estação do metrô (embora isso não signifique que aquelas pessoas não tenham onde morar, e creio que, por sua vestimenta, não eram sem teto).
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A TV estava ligada na CCTV, canal chinês em sua versão em russo. Kostia gosta dessa emissora, pois sua programação é tranquila, ao contrário da correria que são os canais norte-americanos, que encarnam e propagam o estilo capitalista em que “time is money” e, portanto, despeja-se a produção de lixo industrial, bombardeando a audiência com conteúdo de péssima qualidade.
Em Moscou se sintoniza 45 canais abertos, me diz. Isso já é mais do que em São Paulo, por exemplo (muuuuito mais). Cerca de 10% apenas pertencem ao Estado. Isso já é menos do que em São Paulo. O engraçado é que muita gente ainda pensa que na Rússia tudo é do Estado, que controlaria a imprensa e tudo o que o cidadão pode ler ou assistir. Aliás, hoje eu e o companheiro Rafael Dantas, que chegou alguns dias antes de mim, realizamos uma entrevista excelente que iremos publicar nos próximos dias a respeito da liberdade de imprensa na Rússia (fiquem ligados 24h por dia aqui no DCO!).
Este texto é interrompido em sua escrita pela querida Sveta, uma belíssima russa de olhos azuis um tanto profundos, com certa aparência felina (miau!) e mais alta do que eu (o que não é difícil, mas ela realmente é mais alta do que a média). Começamos a conversar sobre ela, sua família, sobre mim e minha família, sobre viagens. Nos aproximamos cada vez mais, eu olho em seus olhos e ela olha nos meus. Dá um sorriso tímido, e eu apenas de samba canção. Até que chegamos ao clímax, eu deitado e ela sentada, sobre o sofá-cama que ela preparou para me acomodar.
─ Ahhh! Finalmente ela está falando o que pensa sobre Vladimir Putin! Esperei semanas por isso, desde quando nos conhecemos pela internet! Nosso melhor momento juntos até agora!
Segundo Sveta, Putin é um autocrata e tem a aspiração de se tornar um novo Czar. Seus primeiros anos de governo não foram ruins, mas tudo mudou desde a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014. A partir disso, os russos não chegam a estar inseguros, mas não existe a mesma “calma”, em suas palavras, de antes.
Pergunto se não seria por causa das pressões do chamado “Ocidente” contra a Rússia, mas ela diz que não é por isso. Putin e seus aliados são corruptos, me conta. Confessa que o governo tem amplo apoio dos mais pobres. Segundo ela, é porque eles não têm boa educação. Retruco: mas dizem que a educação na Rússia é boa. Me fala que não se refere à educação pública, e sim ao meio em que essas pessoas estão inseridas. Bom, os pobres apoiam Putin. Assim como parte dos ricos, mais chegados aos negócios do governo. Outra parte se opõe. E a classe média, em geral, é a principal base de oposição a Putin, porque ─ me diz a moça ─ tem perdido seu poder de compra e agora já não pode mais viajar para o exterior como antes. Sveta se enquadra nessa categoria. Analista de negócios de uma grande rede de lojas, ela teme por seu emprego.
─ Obviamente que eles são contra as sanções à Rússia, ouço dela. Porque afetam também a classe média. Hoje vi as lojas da Nike, Calvin Klein e Victoria’s Secret fechadas em um shopping center no subsolo da Praça Vermelha.
Realmente a chegada de Sveta ao meu quarto acabou me desconcentrando. Amanhã volto com um novo artigo. Rafael e eu entrevistamos, em frente ao prédio da Duma (o parlamento russo), um fanático apoiador de Putin que passou o dia todo ao lado da entrada com um cartaz com a foto do presidente e uma bandeira com listras laranjas e pretas ─ representando a fita de São Jorge, um símbolo da viória soviética na “Grande Guerra Patriótica”, como os nacionalistas russos chamam a II Guerra Mundial.
Do skorogo!