Em 2022, completamos 200 anos da nossa Independência. O Bicentenário da nossa formação como Estado nacional soberano, definitivamente apartado de Portugal, suscita algumas reflexões necessárias ao delineamento da ação coletiva histórica da Nação brasileira.
Urge pensarmos que Brasil queremos ser, qual visão de Brasil deve orientar o porvir, ao que nós podemos legitimamente aspirarmos enquanto parte do corpo coletivo nacional desse grande País. Como afirmou o grande estadista Getúlio Vargas, “Reformas políticas, empreendimentos industriais, tarefas educacionais não teriam sentido se não se processassem em função de um ideal superior”. A resposta a essa questão, evidentemente, não pode ser respondida de relance, tampouco deve ser uma simples teorização de intelectuais, mas deve ser elaborada pelo conjunto da sociedade brasileira nas suas condições concretas de existência. Se quisermos nos desenvolver econômica e socialmente, se quisermos superar o doloroso cenário da miséria e das desigualdades, não basta apenas adotarmos “políticas públicas”, precisaremos de um ideal de Nação que oriente nossos esforços e desperte a energia vital da Pátria para amparar e dignificar todos os seus filhos. Como concluiu brilhantemente Getúlio Vargas, “esse ideal é o de realizar a unidade moral e a unidade econômica da nacionalidade”.
Relacionado a isso, devemos pensar o papel que cabe ao Brasil, ou seja, a todos nós, num mundo que se define, cada vez mais, pela desintegração dos imperialismos que conformaram o Atlântico Norte como centro capitalista mundial. A escalada chinesa, ao redefinir os termos da globalização numa realidade internacional multipolar capaz de dar protagonismo ao chamado “Sul Global”, contradiz a tese do “fim da história” tal como definida por Fukuyama. O fim da história, na verdade, mostra-se ser a realidade específica da civilização europeia ocidental que, fraturada e emasculada pelo secularismo iluminista, o qual, ao contrário do catolicismo romano, jamais logrou alcançar uma unidade espiritual coerente, está francamente esgotada. Os Estados Unidos, por sua vez, voltam-se cada vez mais para dentro, pela força da sua própria natureza continental, apesar da vocação imperialista de suas elites dirigentes, que assistem, perplexas, a maior parte do mundo lhes dar as costas.
Não cabe mais, portanto, pensar o Brasil como repositório tropicalizado de uma civilização européia historicamente superada, tampouco como um satélite na órbita estadunidense. Os hábitos e vícios mentais da maior parte das nossas elites ilustradas nos últimos 200 anos são inadequados para a nova fase histórica em que adentramos. Nada há a temer, pois os ventos de mudança são muito mais favoráveis à nossa afirmação civilizatória do que qualquer outro momento. Daí a importância de aproveitarmos o Bicentenário para formarmos uma visão própria de nós mesmos que nos permita coordenar esforços por uma nova e superior projeção internacional, a partir do nosso gigantismo geográfico e dos vastos recursos internos de que dispomos.
O “grande Império dos trópicos”, como José Bonifácio de Andrada e Silva, Patriarca da Independência, definiu o Brasil, nunca encontrou cenário internacional tão propício para realizar sua vocação imperial – não imperialista e não necessariamente monárquica – de baluarte dos valores humanistas e universais, que, aqui, em função da nossa mestiçagem e do nosso sincretismo, são uma realidade empírica e espontânea, não uma mistificação ideológica, como no Atlântico Norte. O tempo está a nosso favor, e 2022, ano do Bicentenário da Independência, será, por força das circunstâncias, o ponto da virada para voltarmos a construir a nossa soberania e a nossa grandeza. Como disse Maria Leopoldina, Imperatriz consorte do Brasil, de grande importância para a nossa Independência, “este belo e florescente Império, que nunca se submeterá à Europa, poderá, com o tempo, ditar leis”. A hora começa agora.
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